Esta semana o Parlamento e o Presidente da República renovaram o estado de emergência. Esta decisão conta com um largo apoio parlamentar. Ainda assim, esse apoio vai minguando, dentro e fora da Assembleia da República. Aproxima-se o inevitável momento da avaliação política das escolhas feitas durante a pandemia. Os nossos governantes não ficam bem na fotografia.
A gestão da pandemia deve refletir a pressão sobre o nosso sistema de saúde. Esta pressão resulta de uma equação simples: de um lado está a procura de cuidados pelos doentes; do outro está a oferta de cuidados pelos hospitais e sistema de saúde em geral. Se a procura excede a oferta de forma sustentada, o sistema colapsa. Haverá pessoas não atendidas, o estado médio de saúde piora, e haverá mais mortes evitáveis. É uma situação de desequilibro que se tem de corrigir. Justifica-se uma intervenção em larga escala.
A boa gestão recomendaria atuar dos dois lados da equação. No entanto, os nossos governantes concentraram-se no mais fácil. Restringiram a procura, não cuidando da oferta. Declarou-se o milagre português, e esqueceu-se a preparação.
O governo não cuidou da oferta, escolhendo não investir na capacidade de resposta do sistema de saúde. Se a doença é um facto sobre o qual ninguém tem responsabilidade direta, a capacidade hospitalar que temos é uma consequência de escolhas sobre a aplicação dos nossos recursos. O governo não usou o tempo que teve para aumentar capacidade do SNS.
O número de camas hospitalares não cresceu. Em março o número de camas de cuidados intermédios e intensivos no SNS era 1.853, em setembro era 1.819 (fonte). Em vez de aumentar, a capacidade de resposta diminui 2% durante a pandemia. Se considerarmos todas as camas (i.e. incluindo médicas, cirúrgicas, neutras) a diminuição é de 3%.
A boa gestão recomendaria atuar dos dois lados da equação. No entanto, os nossos governantes concentraram-se no mais fácil. Restringiram a procura, não cuidando da oferta.
O número de médicos no sistema público também não cresceu. Em março era 30.297, em outubro era 29.455 (fonte). De novo, a capacidade de resposta diminui 3% durante a pandemia.
A negociação com os hospitais privados para aumentar a capacidade de tratamento também não aconteceu. Segundo as notícias que vão saindo, as administrações regionais de saúde do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo apenas começaram a negociar colaborações com os prestadores privados no princípio de novembro.
A ausência de investimento na capacidade do SNS não se explica por falta de tempo ou recursos. O governo optou por aplicar esforço noutras áreas. Por exemplo, após proclamar o milagre português, a cúpula do Estado investiu em trazer o futebol da Liga dos Campeões para Lisboa, o governo comprometeu pelo menos €1.200 milhões para aguentar a TAP, e estamos todos na iminência de enterrar dinheiro para que o Estado volte a ser dono de grande parte dos CTT. Dinheiro (ainda) não faltou.
As opções foram tomadas. Com certeza que é difícil governar nas circunstâncias atuais. No entanto, este governo escolheu apenas restringir a procura, limitando as nossas liberdades e a vida em sociedade. Se no curto-prazo (i.e. no primeiro confinamento) não tinha outra opção, passados 8 meses, poderia também ter expandido a oferta de cuidados de saúde. Isto dar-lhe-ia espaço para mitigar a dureza das medidas que nos têm sido impostas.
A seu tempo, o governo terá de se confrontar com as suas escolhas. Esperemos que haja uma oposição suficientemente robusta para fazer ver que sempre houve uma alternativa. As respostas dadas não são fatalidades e refletem as escolhas e prioridades de quem tem poder. O governo é aquilo que foi escolhendo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.