No momento da derrota que muitos julgavam improvável, Hillary Clinton pediu desculpa por ter perdido as eleições presidenciais: “This is not the outcome we wanted or we worked so hard for and I’m sorry that we did not win this election for the values we share and the vision we hold for our country.” O pedido de desculpa foi assinalado na imprensa americana como um acontecimento inédito na longa história de vencidos naturalmente desanimados com a sua situação.
Em 2012, Mitt Romney começou por felicitar o vencedor, Barack Obama, a sua família e os seus apoiantes. Prosseguiu, tanto quanto lhe era possível, à maneira de Marco Aurélio, nas Meditações, fazendo uma longa enumeração de pessoas a quem estava grato e as razões por que agradecia a essas pessoas. Terminou com uma frase breve em que se vislumbra, com bondade, um lamento: “I so wish that I had been able to fulfill your hopes to lead the country in a different direction, but the nation chose another leader.” Romney esperava uma coisa, mas a resposta dos eleitores (ou dos delegados no Colégio Eleitoral) foi outra. Segundo o candidato republicano que volta agora a ser falado como “a nova esperança do partido”, entre as suas expectativas e as do povo soberano parece não haver grande coisa a fazer.
Quatro anos antes, em 2008, John McCain esteve à altura da sua condição de derrotado numa eleição histórica, em que foi eleito o primeiro Presidente negro, envergonhando uma Europa tradicionalmente reaccionária, passo a redundância. McCain tem a generosidade de elogiar de um modo sério quem o derrotou. Porém, apesar das suas qualidades, que são muitas, algumas reconhecidas com medalhas de honra, McCain não chegou ao ponto da máxima sofisticação de pedir desculpa pelo que não podia controlar. Dedicou metade do seu discurso de admissão de derrota ao vencedor das eleições e deixou o resto para agradecer a quem o tinha apoiado.
Mas voltemos a Hillary Clinton, a primeira candidata eleitoral da história da América a pedir desculpa por ter perdido as eleições. Fun fact: é uma mulher. Numa eleição tão desagradavelmente concentrada nas diferenças entre os sexos, passo o eufemismo, não deixa de ser irónico que tudo acabe com uma mulher a pedir desculpa. Correndo o risco de me reduzir a mim própria ao mesmo estereótipo, diria que, pelo contrário, Clinton foi inspiradora e revelou ter qualidades essenciais para o exercício de um cargo que exige, acima de tudo, que quem o desempenhe entenda o que significa ser responsável pelo que não pode controlar.
Qualquer eleição tem um grau elevado de imprevisibilidade. Por muito que se “conheça” o eleitorado, por muito que se caia nas boas graças da imprensa, nada garante que se conheça à partida o vencedor. As sondagens valem o que valem, e em muitos casos, não valem grande coisa. Isto significa que tanto vencedores como derrotados se deparam com o mais profundo desconhecimento acerca do resultado da eleição, apesar de toda a parafernália que os rodeia. Apesar disso, parece mais fácil acreditar que o vencedor foi mais competente, mais persuasivo, e por isso mais responsável pela sua vitória do que o perdedor pela sua derrota.
Perante a admissão de que não está ao nosso alcance saber como as coisas vão correr, independentemente de todo o empenho e trabalho, há que perceber a relevância do pedido de desculpa de Hillary Clinton. O que significa pedir desculpa por uma situação que, apesar de tudo, não é possível controlar, na medida em que os eleitores votam como muito bem entendem, sendo que a maioria nem sequer vota? E, sobretudo, que espécie de ligação existe entre uma pessoa e aquilo que lhe acontece?
Uma vez que o acto eleitoral é imprevisível, podemos considerar a derrota e a vitória como acontecimentos. Hillary Clinton admitiu que era responsável pelo acontecimento da sua derrota. O que está a dizer é diferente daquilo a que estamos habituados a ouvir. É o oposto de “tudo nos poder acontecer a nós”. O que Clinton está a dizer é que aquilo que lhe aconteceu, não aconteceu a mais ninguém: aconteceu àquela pessoa, afectando-a directamente. E é por não ter acontecido a mais ninguém, que é responsável pelo que lhe aconteceu. Se fosse outra pessoa, talvez tivesse sido diferente. É esta profunda humildade e este reconhecimento do seu lugar no mundo que fazem falta a tantos agentes políticos. No dia da derrota, Clinton mostrou que seria a melhor pessoa para o cargo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.