Repensar a Educação de que a Humanidade precisa

Repensar a educação é uma tarefa coletiva que deve envolver toda a sociedade e todos os seus membros, independentemente das suas crenças, mundividências e papéis que assumem.

Não sou do género de começar o ano com eloquentes resoluções de mudança. Mas, nestes primeiros dias de 2022, talvez imbuída por um espírito reflexivo forçado pela obrigatoriedade de mais uma paragem excecional nas atividades letivas, sinto uma real necessidade de procurar pontos de luz que me ajudem a perceber que futuros coletivos queremos para a educação, a fim de podermos definir itinerários partilhados de mudança. Para tal, fui recuperar dois documentos que já tinha lido há uns meses, mas que no contexto atual, de ano novo com eleições legislativas à porta, ganham um renovado sentido.

O primeiro é o relatório da Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação [1], da UNESCO, intitulado “Reimagining our futures together – a new social contract for education” que foi publicado no último trimestre de 2021. O segundo é a ferramenta de trabalho, criada pela Congregação para a Educação Católica, para levar a cabo a iniciativa sonhada pelo Papa Francisco de um Pacto Educativo Global[2].

São dois documentos muito diferentes, mas que se interseccionam em várias dimensões e propostas. Ficam-me 4 ideias que podemos encontrar em ambos, quase como pontos cardeais, que nos interpelam, enquanto indivíduos, famílias, comunidades, instituições e membros da sociedade civil, a repensar a educação.

1. Qualquer mudança de época, requer um novo caminho educativo

A educação joga um papel fundacional na transformação das sociedades humanas. É ela que nos coloca em contacto com o mundo, com os outros, com a diferença e com a possibilidade de diálogo e ação. A atual crise planetária que vivemos e os desafios civilizacionais que enfrentamos ao nível ambiental, social, económico, cultural e sanitário, mostram-nos, mais do que nunca, que a educação só conseguirá atingir os seus objetivos finais se conseguir propor um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. Mas tal só acontecerá se a educação, enquanto aprendizagem ao longo de toda a vida, se repensar a si própria.

2. A necessidade de um novo sonho comum para a educação

Repensar a educação é uma tarefa coletiva que deve envolver toda a sociedade e todos os seus membros, independentemente das suas crenças, mundividências e papéis que assumem. A UNESCO propõe-nos que façamos este caminho coletivo através da construção de um novo contrato social para a educação. Um contrato que, alicerçado no que a educação já permitiu a humanidade atingir, nos compromete no sentido de uma visão partilhada sobre os seus propósitos públicos. A educação, enquanto bem comum fundamental para o combate às desigualdades é um direito universal que tem de ser protegido ao longo de toda a vida. Este novo contrato social para a educação, terá que nos ajudar a ir além da forma como atualmente organizamos e estruturamos a educação nos diversos pontos do globo, por forma a que a justiça social, a equidade, a sustentabilidade e a paz sejam benefícios partilhados por todos e não apenas por alguns.

Com outro olhar, o Papa Francisco, partindo de um provérbio africano que afirma que “É preciso uma aldeia para educar uma criança”, relembra-nos que é nossa responsabilidade enquanto sociedade construir esta aldeia. Assim, propõe-nos a imagem da construção de uma Aldeia da Educação planetária como condição fundacional para se educar. Esta aldeia, valorizando a diversidade como riqueza comum e combatendo a discriminação, promove a fraternidade enquanto condição necessária à existência humana. É desta fraternidade originária que nasce o desejo de um Pacto Global Educativo.

Com outro olhar, o Papa Francisco, partindo de um provérbio africano que afirma que “É preciso uma aldeia para educar uma criança”, relembra-nos que é nossa responsabilidade enquanto sociedade construir esta aldeia

3. A centralidade dos direitos humanos e de uma abordagem educativa relacional

Seja através da imagem de um novo contrato social ou de um pacto global, o caminho que a educação deve seguir para a frente terá que estar assente em princípios de Direitos Humanos como a inclusão, a equidade, a cooperação, a solidariedade, a responsabilidade coletiva e a interdependência. Direitos estes que devem ser entendidos através de abordagem relacional que assume o ser humano e a ação educativa enquanto parte integrante dos ecossistemas naturais e das relações que se estabelecem dentro destes. Assim, é proposto que os curricula se foquem mais em aprendizagens ecológicas, interculturais e interdisciplinares que apoiam o acesso, a produção e a aplicação do conhecimento, ao mesmo tempo que estimulam a capacidade de crítica do mesmo. Por outro lado, é reforçado que as escolas são locais educativos a proteger pelo seu carácter inclusivo, equitativo e promotor de bem-estar individual e coletivo.

4. A diversidade, o diálogo, a colaboração e o encontro

Repensar a educação exige um novo pensar que consiga ir além das dicotomias tradicionais que separam diversidade e unidade, liberdade e igualdade, identidade e alteridade. Como tal, terão que ser pensados novos caminhos pedagógicos orientados pelos princípios da colaboração e solidariedade que vão contra o atual paradigma da competitividade e meritocracia na educação. Isto exigirá a defesa de uma visão do ensino enquanto esforço colaborativo que reconhece os professores e professoras, em articulação com a comunidade educativa, como produtores de conhecimento. Exigirá ainda a compreensão da aprendizagem enquanto processo contínuo ao longo de toda a vida que acontece em diferentes espaços sociais e culturais. Por outro lado, a educação deverá ser o local do encontro e do diálogo, construtor de novas formas de relação. Assim, é proposta a promoção de iniciativas que oiçam e envolvam os e as estudantes nas decisões que são tomadas relativamente à gestão de cada escola e reforçada a importância do serviço à comunidade como parte integrante da educação. Como o Papa Francisco nos relembra, passamos do mote “Educar para servir”, em que vemos a missão educativa como um serviço prestado às crianças e jovens, e passamos para o mote “Servir é educar”, onde encaramos o serviço à comunidade como parte integrante de uma educação que zela pela casa comum e educa num sentido de um bem comum pela ação concreta.

Fotografia de João Ferrand

 

[1] A Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação foi criada pela UNESCO em 2019 para repensar como o conhecimento e a aprendizagem podem moldar o futuro da humanidade e do planeta. Esta comissão levou a cabo, entre 2019 e 2021, uma iniciativa global de auscultação pública com o objetivo de catalisar um debate global sobre como a educação precisa de ser repensada.
[2] Pode aceder à página em inglês do Pacto Educativo Global em https://www.educationglobalcompact.org/en/. O Pacto Educativo Global complementa muito do pensamento social do Papa Francisco expresso na Carta Encíclica Laudato Sí e também na Carta Encíclica Fratelli Tutti.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.