Numa das suas crónicas para o Expresso, durante o verão do ano passado, Pedro Mexia deu a entender que tem mais livros para ler do que dias de férias. É um pensamento realmente engraçado (talvez porque indicia uma verdade inconveniente), e leva-me a considerar que todos nós devemos ter muito mais do que os insípidos e tabelados 22 dias de férias: devíamos ter tantos dias de férias quanto livros na nossa lista de espera. Bem sei que esta solução faria com que muitos estivessem de férias durante o ano inteiro (o leitor, eu e Pedro Mexia?), seria uma desgraça das boas!
Quando vamos de férias levamos muita roupa — e tudo o que for indispensável para a vida no destino —, mas também levamos muito livros, porque quem lê é sôfrego, diga-se, e julga que tem muito tempo para ler muita coisa ignorando as dificuldades que a leitura conhece durante os meses mais quentes.
A primeira dificuldade é tramada, mas ultrapassa-se com relativa facilidade: consiste na escolha dos livros que pretendemos levar para as férias. Nesta fase, o acaso ajuda-nos, já que podemos escolher qualquer obra da nossa lista de livros, porque, em princípio, gostamos de todos os que temos para ler. E também se sabe que é preferível levar livros a mais do que a menos, porque nunca se sabe se a leitura vai render especialmente, e é certo que há obras que estão nas nossas vidas apenas para andar de trás para a frente no interior de malas e mochilas (autênticas bibliotecas móveis).
As restantes dificuldades aparecem no nosso caminho quando já estamos no local de férias propriamente dito, sendo que a maioria tem que ver com o acto de ler na praia. No papel, o plano é maravilhoso — é daqueles que invade e domina a nossa cabeça durante os piores dias de inverno —, mas, na prática, constitui uma chatice, porque depende de inúmeros factores dificilmente controláveis.
Quem gosta muito de ler durante o ano não é o maior fã de leituras balneares, no entanto, fá-las à mesma, pois é maluco por livros (e não vive sem eles), mas, sabe que, de facto, não é a mesma coisa, porque nada se compara ao seu modo de ler inscrito na rotina — certamente pessoal e possivelmente intransmissível. Acredito que isto acontece porque, de férias, e estando nós no mesmo sítio de sempre (num que nos tenha visto a crescer), regressamos à infância, e voltamos a contar com corpos cheios de energia e inquietos, que não sabem ao certo como gozar momentos de descanso, é uma hipótese — mas é uma hipótese que parte de um ponto de vista pessoal.
Uma certeza que se pode ter é esta: os livros que levamos para a praia sofrem muito. Digo até que sofrem em demasia. E a culpa é só nossa e nunca deles. Apanham escaldões. Dobram-se. Dão jeitos nas lombar. As suas folhas partem-se, ficando cheias de rugas. Ficam gordurosos à conta de manchas perdidas de creme protetor solar. E molham-se. Porque sofrem tanto, choram — as gotas de água que borram as suas páginas não são mais do que lágrimas cheias de sal, próprias de quem sabe que merece mais.
Levamos livros para ler na praia e damos-lhes sovas valentes; durante o dia, lemos as suas histórias como se nada fosse. Há uma certa desumanidade neste comportamento. Não merecemos estes livros. E eles não merecem estar entre as nossas mãos areosas; merecem ser folheados por quem os trata com o respeito merecido, enquanto os lê numa qualquer varanda estival, da qual não sai, porque está confortável, e porque é a doce brisa que foge do mar que vira as páginas dos livros que perfazem os verões.
Só que os livros são bons (melhores do que nós), e perdoam-nos sempre — até mesmo quando passam uma semana inteira esquecidos num saco de pano. A nós, a praia sabe-nos sempre bem. Aos nosso livros, nem sempre.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.