Ser católico não determina uma ideologia. Ser católico implica, sempre e em qualquer situação, uma escolha radical por Cristo, escolha essa que nos leva a proclamar a dignidade da pessoa humana, enraizada na fraternidade universal de seres criados e amados por Deus, e a assumir a responsabilidade pelo cuidado da Criação. Este é o ponto de partida comum, um ponto de partida que permite à Igreja ter, entre os seus canonizados, quer adversários frontais do comunismo, como João Paulo II, quer vítimas de ditaduras de direita, como Óscar Romero.
É aqui que nos devemos situar enquanto católicos: mais do que “esquerda ou direita”, membros de um corpo que transcende as inclinações pessoais, colaboradores na construção do Reino de Deus, sem odiar outra coisa que não seja o pecado, sem louvar ninguém mais do que a Cristo e a sua bondade. E é a partir deste lugar que podemos olhar, com liberdade e em esperança, para o que poderão ser os próximos quatro anos políticos em Portugal.
Fruto dos resultados eleitorais do passado domingo, podemos antever que a política governativa portuguesa tem tudo para decorrer sob a marca da estabilidade. Durante a campanha, António Costa ousou pedir aos portugueses uma maioria clara, e estes responderam generosamente. É chegado o momento de o PS assumir plena responsabilidade pelo rumo de Portugal.
Devemos começar por confiar na capacidade do PS para formar um bom governo, do qual poderão fazer parte alguns dos melhores agentes políticos portugueses, oriundos dos quadros daquele partido e da sociedade civil, e que, ao mesmo tempo, o PS irá conseguir resistir à tentação de arvorar-se “dono disto tudo”. Por agora, optemos pela esperança, conscientes de que muito em breve a realidade nos poderá desmentir brutalmente.
António Costa tem todas as condições para reformar o nosso País, pois à sólida maioria na Assembleia pode somar o excecional PRR, mais comummente apelidado de “bazuca”.
António Costa tem todas as condições para reformar o nosso País, pois à sólida maioria na Assembleia pode somar o excecional PRR, mais comummente apelidado de “bazuca”. A Saúde, a Educação e a Segurança Social devem estar no centro das medidas reformistas do nosso novo Governo, que deve ao mesmo tempo zelar pela liberdade individual dos portugueses e pela prosperidade económica, e lançar Portugal nos caminhos da transição digital e ecológica, enquanto garante a coesão do tecido social.
Governar com maioria absoluta é uma oportunidade magnífica dada pelo povo português ao PS. E deve ser acolhida como um dom, algo imerecido. Caso contrário, se o Governo confundir a confiança expressa por uma maioria de eleitores com um direito de propriedade sobre o Estado e a coisa pública, esta oportunidade corre o risco de ser desperdiçada, para prejuízo de todos.
Ao mesmo tempo que devemos confiar, não nos devemos demitir de vigiar, para garantir que o Governo governa o país, e que os seus membros não se “governam” às custas do país.
Neste momento que pode ser dado a algum triunfalismo e exuberância, convém recordar a António Costa e ao seu partido que o Estado não substitui nem se confunde com a Nação: o Estado está ao serviço da Nação. E convém também recordar António Costa que governar é cuidar da alma de Portugal, algo intocável, impalpável, mas que nos une, através de um sentido de pertença mútua, e de história partilhada. E devemos confiar, esperando que este novo Governo esteja à altura do desafio, sem nos demitirmos do saudável exercício, imprescindível à democracia, da crítica e da vigilância.
Fotografia de Arne Müseler – Wikicommons
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.