Em dezembro do ano passado, o Papa Francisco viajou até Chipre para fazer, em Nicósia, uma das mais belas homilias do seu pontificado. Nela, pedia “cristãos luminosos”, mais do que “iluminados”. Numa das reportagens que fiz, e que está disponível no site da Mensagem de Lisboa, conheci uma das cristãs mais luminosas, a Filipa. E jamais esquecerei a força que carregava o abraço que trocámos no Café Joyeux, que dirige, em São Bento.
Esta cadeia de cafés nasceu em França, no ano de 2017, com o objetivo de dar formação e empregar jovens com perturbações do desenvolvimento intelectual. Dar a educação que a escola francesa e portuguesa não dão.
Filipa Pinto Coelho trouxe para Portugal esta solução. No nosso país, estima-se que mais de 63 mil pessoas têm perturbações do espetro do autismo e mais de 8 mil vivem com trissomia 21, cálculos da AIA – Associação de Apoio e Inclusão ao Autista e da APPT21 – Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21.
Os dados franceses, cedidos pelo projeto, mostram que os diagnosticados são duas a três vezes mais afetados pelo desemprego do que os outros e que somente 0,5% trabalham num ambiente comum.
A história de Filipa pode ser, facilmente, apelidada de uma “missão”. Há seis anos, a consultora descobriu que o terceiro filho ia nascer com um cromossoma a mais. A primeira sensação foi de “estranheza, angústia e medo”, confessou-me. Mesmo assim, o casal disse «sim» a esta semente de Deus e, hoje, o pequeno Manuel é o grande responsável pela mudança de muitas vidas.
Ao desbravar o desconhecido, Filipa e alguns pais fundaram a associação VilacomVida, em dezembro de 2016. É um projeto que quer fazer diferente pois em Portugal a maioria dos jovens portadores destes problemas ficam presos em estágios ou associações. “A sociedade está formatada a esconder. O facto de não vermos no dia-a-dia estas pessoas incríveis leva à exclusão”, esclareceu-me Filipa.
No projeto Café Joyeux, durante dois anos, os jovens são formados a trabalhar e recebem, na maioria dos casos, o primeiro ordenado, algo que os motiva. No final, ficam com uma creditação e podem continuar a trabalhar no café ou procurar outros voos.
É um projeto que complementa o sistema educativo português, ainda preso à mentalidade de «esconder». Mais do que tudo, este projeto promove a autonomia e prova que estes jovens são capazes e têm coisas ótimas para oferecer. E isso faz toda a diferença.
Como podemos trazer ao mundo esta riqueza? Potenciá-la? É um debate que deve ser feito já. O desenvolvimento de competências, numa formação mais prática e adaptada, pode ser o caminho, como mostra o Café Jouyex.
Em Portugal, o Joyeux dá emprego a 14 jovens com autismo e trissomia 21, nove no espaço da Calçada da Estrela e, mais recentemente, cinco no edifício da AGEAS Seguros. Cascais prepara-se para acolher o próximo, que vai dar emprego a cerca de 10 a 12 trabalhadores. A maioria está na casa dos 18 aos 28 anos.
É incrível como uma missão dada por Deus faz crescer tanto e tanto. O mais curioso de tudo é que Filipa começou por se encontrar com o designer do projeto francês, a viver em Lisboa com a família, na Pastelaria Vermelhosa. Meses depois, com tudo assinado para arrancar, o sítio onde o café ia nascer, o Museu das Comunicações, rejeitou o projeto. Sem chão para construir o sonho, o impossível aconteceu: a dona da Pastelaria Vermelhosa contactou-a a informar que queria trespassar o espaço. E Filipa disse: “Deus tem um papel importante na minha vida. A partir do momento em que saímos de nós para ajudar os outros, tudo cresce e multiplica-se”.
Viver pelo Evangelho não é, lembra o Papa Francisco, uma questão de “proselitismo, mas de testemunho”. Não é um “moralismo que condena, mas uma misericórdia que abraça”. Nem tão pouco um “culto exterior, mas um amor vivido”. Deus faz o resto. É só preciso procurar a luz.
Fotografias cedidas por Café Joyeux
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.