Hoje, 5 de outubro, quero dizer obrigada às cerca de 182.000 pessoas que, diariamente no nosso país, desde a Educação de Infância ao Ensino Superior, assumem a sua missão de professores e professoras. Um obrigada especial às professoras e professores com quem nos últimos tempos fui aprendendo muito através do projeto EDxperimentar[1] e com quem fui debatendo o sistema educativo. É que hoje celebra-se o Dia Mundial do Professor e este ano de 2021 o tema é “Os Professores no coração da recuperação da Educação[2]”. E este parece-me um dia muito favorável para refletir um pouco sobre o futuro desta profissão, nomeadamente nos níveis de ensino da escolaridade obrigatória.
Começo por trazer alguns dados que o Conselho Nacional de Educação[3] já vem reforçando desde meados da década anterior, relativamente ao recrutamento de professoras e professores. Até 2030, mais de metade dos docentes que garantem atualmente a Educação de Infância e o Ensino Básico e Secundário poderão aposentar-se. Em 2018/2019, 54% do total de docentes do ensino público e 21% do ensino privado tinham mais de 50 anos.
Cumulativamente, ao longo da última década, tem havido um decréscimo na procura de cursos de ensino superior da área da educação, com uma consequente redução da oferta e ficando várias das vagas anuais por preencher. Assim, em 2018/2019, apenas 0,5% das professoras e dos professores do ensino público tinham menos de 30 anos, um valor que sobe para 6,9% no ensino privado. Pelos vistos, isto de ser professora ou educadora de infância não é algo que seja atrativo para uma grande maioria dos jovens quando se candidatam ao Ensino Superior ou quando pensam no que gostariam de fazer ao longo da sua vida.
Sabemos que a habilitação profissional para a docência pode também ser adquirida através de mestrado, em certas especialidades. Mas mesmo assim, quem nos seus 18 anos escolhe entrar num curso de biologia ou geologia tem cada vez menos interesse, quando já tem 21 anos, em seguir mestrado de Ensino para poder ser docente de 3º Ciclo ou do Secundário.
Mas se a educação joga um papel tão importante, estrutural e nobre na construção da nossa sociedade, por que razão é que esta carreira apenas é interessante para uma parte tão reduzida da juventude de hoje?
Mas se a educação joga um papel tão importante, estrutural e nobre na construção da nossa sociedade, por que razão é que esta carreira apenas é interessante para uma parte tão reduzida da juventude de hoje?
Talvez uma primeira resposta possa ser dada a partir da experiência que cada jovem tem do seu tempo de escola e das relações que estabelece com as suas professoras e os seus professores. Tal como já referi noutro momento[4], a nível europeu, quem anda no ensino secundário sente que a escola não é um local de felicidade e apenas 20% acredita que a educação que recebe é útil. Além do mais, no caso português, o percurso final de três anos de ensino secundário afunila todas as suas aprendizagens numa preparação pressionada para os exames nacionais. Fazendo passar, desta maneira, a mensagem de que todas as aprendizagens e competências desenvolvidas ao longo de 12 anos têm uma validade condicionada pelo resultado do concurso nacional de acesso ao ensino superior. Não admira, portanto, que quando é pedido a uma pessoa jovem para decidir qual o curso do ensino superior que quer seguir, que a área educativa ou a possibilidade de ser docente do ensino básico ou secundário seja, à partida, algo desinteressante ou quase repugnante.
Por outro lado, quem é estudante é quem primeiro se apercebe dos problemas associados à profissão de docente, em especial no ensino público, porque os vive no seu dia-a-dia: quadros altamente rotativos, falta de docentes para certas disciplinas, pouco reconhecimento do trabalho feito, cansaço e exaustão pelo elevado número de alunos/as por turma, trabalho individualizado e não em equipa, acompanhamento de problemáticas sociais exigentes. Não devem existir muitos jovens que digam para si mesmos: “Quando crescer, gostava de vir trabalhar para a minha escola como professor/a”. Algo que provavelmente aconteceu com alguma frequência na geração de docentes que hoje têm mais de 50 anos.
Não devem existir muitos jovens que digam para si mesmos: “Quando crescer, gostava de vir trabalhar para a minha escola como professor/a”. Algo que provavelmente aconteceu com alguma frequência na geração de docentes que hoje têm mais de 50 anos.
Mas então, como é que, durante esta década que temos pela frente, vamos conseguir captar mais pessoas, rejuvenescer a profissão e criar um diálogo intergeracional que promova a partilha de conhecimento e experiência entre quem está há muitos anos nas escolas e quem agora terá que entrar?
Como ponto de partida, seria importante que a resposta a esta pergunta fosse construída por toda a gente envolvida no sistema: docentes, estudantes, direções, comunidades educativas, entidades da formação inicial, entidades da formação contínua, Ministério da Educação, Conselho Nacional da Educação, partidos políticos, sociedade civil. É que, para pensarmos como captar mais docentes no futuro e como cumprir a missão educativa da escola com o atual corpo docente, teremos também que olhar para o sistema como um todo, para as suas potencialidades e fragilidades, para o que é de manter e o que se terá que alterar.
Os dois últimos anos trouxeram desafios acrescidos à escola, mas também abriram portas a novas visões e a novas práticas pedagógicas. Ao mesmo tempo, ao tornarem visíveis as falhas do sistema, estes dois anos possibilitaram questionamentos e reflexões, como até aqui não tinha sido possível. Por isso, este momento atual de recuperação pós-COVID pode bem ser um momento de oportunidade para se avançar nesse sentido.
[1] Saiba mais sobre o projeto em www.edxperimentar.fgs.org.pt .
[2] O lema original é “Teachers at the heart of education recovery”.
[3] Ver dados do relatório “Estado da Educação 2019”, edição de 2020. Acesso online em: https://www.cnedu.pt/content/edicoes/estado_da_educacao/EE2019_Digital_Site.pdf
[4] https://pontosj.pt/opiniao/menos-trabalhos-de-casa-aulas-mais-interessantes-e-que-nos-escutem-mais/
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.