O governo anunciou a redução do valor máximo das propinas para as licenciaturas de €1.063,47 para €871,52 anuais. O Bloco de Esquerda e o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, também explicaram que pretendem eliminar as propinas no futuro. Estas intenções foram justificadas com um aumento de justiça social. Esta justificação, sendo compreensível, é incompleta. A eliminação de propinas aumenta a injustiça social inter-temporal. Além disso, induzirá alguns estudantes a desperdiçar tempo. Será que foram consideradas medidas alternativas com melhores efeitos?
A intenção de reduzir propinas está motivada por justiça social. Ao baixar o preço de uma licenciatura, estaremos a permitir que os pobres tenham um maior acesso a educação. Assim, um maior número de pobres terá a oportunidade de melhorar as suas condições futuras, já que ter uma educação é um investimento de bom retorno (especialmente se obtida a preço zero).
No entanto a história não acaba aqui. A justiça social inter-temporal poderá ser reduzida. Reduzir as propinas (mantendo as universidades os níveis de atividade semelhantes aos atuais) tenderá a sobrecarregar os contribuintes. Os custos das universidades não se alterarão, e estas terão de encontrar financiamento de alguma outra forma. É provável que o Estado tenha de aumentar as transferências para as universidades. Assim, o contribuinte do presente estará a aumentar o financiamento aos estudantes atuais. E os contribuintes atuais são, em média, mais pobres do que os futuros licenciados, exatamente porque vale a pena investir em educação. Teremos o contribuinte médio do presente – que inclui pobres já que estes pagam pelo menos o IVA – a financiar os ricos do futuro.
A proposta do governo tem boas intenções e terá alguns bons efeitos. Mas seria possível atingir o mesmo fim meritório com menos aspetos negativos?
A redução de propinas levará também a que alguns estudantes desperdicem o seu tempo. Reduzir as propinas para zero baixará as barreiras à entrada para as licenciaturas. Haverá mais alunos a querer entrar na universidade. Dado que os melhores cursos já estão preenchidos, o aumento de alunos irá engrossar as listas dos cursos mais fracos e de menor retorno (em parte eram evitados porque tinham um preço demasiado alto para o seu retorno). Teremos estudantes que poderiam estar a ganhar experiência a trabalhar, que estarão enfiados em aulas pouco estimulantes durante três anos. Como sempre, quando não há custo, consumimos demais.
A proposta do governo tem boas intenções e terá alguns bons efeitos. Mas seria possível atingir o mesmo fim meritório com menos aspetos negativos?
Facilitar a liquidez do mercado de empréstimos a estudantes poderia ser uma política interessante. Diminuir os custos para os bancos nos empréstimos para investimento em educação levará a melhores decisões de investimento de tempo por parte dos estudantes. Também poderá ter menores custos para o contribuinte.
Outra possibilidade seria pôr as próprias universidades a oferecer liquidez aos alunos. Poderia dar-se a opção de o aluno pagar as propinas de forma faseada apenas quando começasse a receber um salário acima de um determinado valor. Correr-se-ia o risco de onerar em demasia as universidades, já que estas não estão vocacionadas para lidar com risco. No entanto, um sistema desta natureza daria às universidades o incentivo a oferecer cursos que de facto valham a pena: a universidade seria penalizada quando os seus ex-alunos não têm sucesso.
A vontade do governo de aumentar a justiça e a mobilidade social é de louvar. O problema é que a forma anunciada para o fazer levará a um provável aumento da carga fiscal – já de si brutal – para benefício da elite futura. Ao invés, devemos exigir políticas que facilitem o acesso a liquidez aos que, de momento, não a têm.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.