Os meus filhos não têm telemóvel

Se houver por aí pais ou mães que não entraram ainda por este caminho, estão a tempo de evitar precipitar um passo precoce, de que se poderão vir a arrepender, e espero que o meu testemunho vos possa dar ânimo para isso.

Todos desejamos o melhor para os nossos filhos, mas o melhor nem sempre é evidente. Ainda assim, se há decisão de que estou convicta é esta: não dar telemóveis aos meus filhos antes do secundário.

O mais velho está no 8.º ano, a segunda no 7.º e o pequenino está no Jardim de Infância. Pedirem para passar a ter telemóvel é algo que nem lhes passa pela cabeça, sobretudo aos mais velhos. Seria como perguntar se podem fumar um charro com a nossa aprovação. Uma questão que nem se coloca.

Já é claro para eles, como sempre foi para mim, que os telemóveis são completamente viciantes e que seria uma luta desigual ter adolescentes a querer dominar uma máquina concebida pelos melhores cientistas do comportamento, com o fim explícito de ser aditiva. Já se dão conta, também, de como o mundo no ecrã (em videojogos ou redes sociais) é alienante e mexe com a nossa estabilidade emocional. Confiam, pois, em que, quanto mais tarde entrarmos nele, com um cérebro mais desenvolvido, com mais capacidade de autorregulação e autocontrolo, melhor. Além isso, sabem que a criatividade, a curiosidade, a atenção, a empatia, o pensamento crítico, a imaginação, a leitura e a escrita, e todas as outras capacidades que é desejável que se desenvolvam ao crescer (a par da capacidade de gerir a frustração e o tédio) não são potenciadas pelo uso de telemóveis com internet no bolso. Muito pelo contrário.

Sabendo tudo isto, não questionam a nossa decisão. Têm acesso a televisão e computador (com horário limitado) e, depois de acabar o tempo estabelecido (e muitas vezes pedindo para alargarmos o seu tempo de ecrã, como é normal que se faça perante um prazer fácil e viciante), dedicam-se a outras coisas: desenham, fazem filmes (podem usar o telemóvel dos pais para filmar e editar), jogam às cartas, têm ideias e constroem coisas, batem bolas, ajudam em casa, estudam, leem, estão nos escuteiros e em vários desportos e… convivem. Com a paisagem, com os irmãos, os amigos, os vizinhos, os cães e os gatos. Se têm momentos mortos no dia (numa sala de espera, no metro, o que for), pensam, observam, folheiam algo, conversam com quem está ao seu lado. Parece uma banalidade mas, infelizmente, numa sociedade de crianças enfiadas no quarto e a olhar para o telemóvel nos restaurantes ou em qualquer lugar onde estejam, tem deixado de o ser.

Já é claro para eles, como sempre foi para mim, que os telemóveis são completamente viciantes e que seria uma luta desigual ter adolescentes a querer dominar uma máquina concebida pelos melhores cientistas do comportamento, com o fim explícito de ser aditiva.

Sei que a maior parte das pessoas que me está a ler não concorda com a minha decisão. Muitos acham esta proibição demasiado radical porque acham que os telemóveis até têm coisas boas e é preciso que os miúdos vão experimentando e ganhando capacidade de gerir o seu tempo de ecrãs. Discordo. Na idade deles, não vejo nenhuma vantagem em ter telemóvel e só vejo malefícios comprovados para um cérebro em formação. Limito-me a remeter para um site, de entre milhares que poderiam consultar acerca disto:  https://screenstrong.org/kidsbrainsandscreens/.

Outros não concordam porque acham que não ter telemóveis irá ser fonte de exclusão social para os seus filhos. A minha resposta vem com um esclarecimento: os meus filhos andam numa escola que proíbe o uso de telemóveis durante o dia, até ao 9.º ano. Isso facilita-me muitíssimo a vida e penso que, se não fosse assim, optaria por mudá-los de escola. Ainda que eles sejam praticamente os únicos miúdos do seu ano sem telemóvel, o seu dia-a-dia com os amigos é vivido sem este vício pelo meio e, por isso, quando se juntam ao fim-de-semana e nas festas, não há esse hábito e ninguém fica excluído.

Outros pais, ainda, dir-me-iam que o mundo mudou e que mais vale mudarmos com ele e aproveitar. Pois, com esses tenho dificuldade em falar. O meu filho mais novo, que é o único que ainda questiona a nossa decisão, pergunta-me às vezes: “Mas se o não-sei-quantos tem telemóvel e tem só 5 anos como eu, porque é que não posso ter?” Infelizmente, os dados acerca dos danos dos ecrãs em crianças dessa idade são tão esmagadores, que se torna constrangedor ter de lhe dar uma resposta.

Importa ainda notar que a evidência científica tem confirmado o óbvio: tirar um telemóvel a um filho ou pretender que reduza o seu tempo de ecrã é muito mais difícil do que não lho dar sequer, à partida. Por isso, se houver por aí pais ou mães que não entraram ainda por este caminho, estão a tempo de evitar precipitar um passo precoce, de que se poderão vir a arrepender, e espero que o meu testemunho vos possa dar ânimo para isso.

Importa ainda notar que a evidência científica tem confirmado o óbvio: tirar um telemóvel a um filho ou pretender que reduza o seu tempo de ecrã é muito mais difícil do que não lho dar sequer, à partida.

Em suma, está a correr lindamente, os meus filhos não se sentem limitados nem excluídos e, aliás, agradecem explicitamente a nossa decisão que os liberta daquilo que seria um conflito interno garantido. E quando chegarem ao 10.º ano, se Deus quiser, já terão passado por todo o 3.º ciclo sem más-línguas (ou pior) em grupos de whatsapp, sem perder quilos de autoestima nas redes sociais ou horas de vida em jogos online, sem estarem a ser constantemente manipulados para querer e aspirar àquilo que o algoritmo lhes sugere, sem ficarem viciados em shots de dopamina (com cada like e cada novidade ao fazer scroll) que se sabe que atuam sobre o nosso cérebro criando dependência e aumentando a ansiedade, e sem desperdiçar o seu tempo a olhar para um ecrã em vez de viver. Pelo contrário, terão construído laços fortes de amizade e experiências partilhadas numa idade tão crucial quanto a adolescência. Quando tiverem 15 anos, é nossa intenção dar-lhes um smartphone mas ainda sem redes sociais e só os deixar entrar no mundo dos TikToks e afins no 12.º ano. É este o plano e, à boa maneira inaciana, iremos avaliando e vendo como melhor cuidar dos que nos foram confiados.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.