Os cardeais que são “fermento na massa”

O novo consistório revela uma Igreja que ambiciona ser para o mundo como o fermento na massa; uma Igreja que não se separa do mundo, que se une humildemente a todos os sectores das nossas sociedades.

“No próximo 5 de outubro vou presidir a um consistório para a nomeação de 10 novos cardeais”, disse o Papa no final do Angelus do passado 1.º de setembro. O célebre poeta português, Tolentino Mendonça, junta-se a este grupo de novos cardeais eleitores. Com apenas 53 anos de idade, o arcebispo bibliotecário da Santa Sé será um dos membros mais jovens do novo consistório.

Ao português, junta-se o canadiano Michael Czerny, conhecido pelo seu particular empenho na promoção da dignidade dos migrantes e refugiados através da sua ação no Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Surge também neste grupo o nome do espanhol Miguel Angel Ayuso Guixot, que preside ao Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso da Santa Sé. Depois seguem-se uma série de arcebispos ou bispos dos mais variados pontos do globo: Ignatius Suharyo Hardjoatmodjo, de Jacarta; Juan de la Caridad García Rodríguez, de San Cristóbal de Havana; Fridolin Ambongo Besungu, de Kinshasa; Jean-Claude Höllerich, do Luxemburgo; Álvaro Leonel Ramazzini Imeri, de Huehuetenango (Guatemala); Matteo Zuppi, de Bolonha; e Cristóbal López Romero, de Rabat (Marrocos).

É interessante notar como o Papa escolheu um grupo de clérigos capaz de representar os quatros cantos do mundo. E, para além das origens diversificadas dos novos cardeais, os nomes escolhidos designam homens que têm dedicado as suas vidas à procura de soluções para as questões mais urgentes de hoje; homens que sabem habitar o mundo e a cultura contemporânea. O padre jesuíta Michael Czerny e o nosso compatriota Tolentino são disso exemplo.

A nova composição do colégio cardinalício revela a ambição de uma Igreja que não vive nem progride separada do mundo e dos seus anseios. Capazes de dialogar com os mais variados sectores da sociedade e da cultura atuais, os novos cardeais são pessoas que desejam contribuir para as soluções dos problemas de hoje, fazendo valer em simultâneo a fé que nos move enquanto cristãos.

No mesmo estilo da eleição dos 14 cardeais em 2018, a nova composição do colégio cardinalício revela a ambição de uma Igreja que não vive nem progride separada do mundo e dos seus anseios. Capazes de dialogar com os mais variados sectores da sociedade e da cultura atuais, os novos cardeais são pessoas que desejam contribuir para as soluções dos problemas de hoje, fazendo valer em simultâneo a fé que nos move enquanto cristãos. É assim que interpreto a afirmação do Papa acerca da escolha dos novos cardeais: “exprime a vocação missionária da Igreja que continua a anunciar o amor misericordioso de Deus a todos os homens da terra.”

No Angelus deste anúncio, ao comentar o Evangelho do dia (cf. Lc 14, 1-14), Francisco repara na forma como Jesus suscita, em nós, o desejo de sermos humildes. Se àqueles que são convidados, Ele chama a atenção para o cuidado de não procurar o “primeiro lugar”, pois poderemos ficar envergonhados ao aparecer alguém mais importante ou mais capaz do que nós, aos que convidam, Jesus incita a acolher quem não poderá retribuir: os pobres, os cegos, portanto. Humildade não significa, então, humilhar-se, rebaixar-se, aniquilar os seus próprios talentos ou a sua própria vida; ser humilde significa, muito pelo contrário, estar atento a quem habita o mesmo espaço que nós, olhar para o outro servindo-o segundo as nossas capacidades. A este propósito, o Papa convida-nos a uma “generosidade desinteressada”, o caminho dos justos.

O grupo de novos cardeais nomeados pelo Papa Francisco não revela apenas pessoas talentosas que estão ao serviço da missão da Igreja. Mostra-nos, mais do que isso, uma Igreja que ambiciona ser para o mundo como o fermento na massa (cf. Mt 13, 33); uma Igreja que não se separa do mundo, que se une humildemente a todos os sectores das nossas sociedades, assumindo como suas as grandes questões e inquietações do mundo e do homem contemporâneo, de forma a transformá-los e a transformar-se segundo os misteriosos desígnios de Deus.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.