O desporto sempre foi e continua a ser o meu principal recurso para obter a paz interior de que tanto necessito e o grande inspirador de um estilo de vida saudável de que nem sempre fui um fiel seguidor. Foi através do Desporto que fortaleci o gosto pelo trabalho em equipa e aprendi a importância e o valor de muitas das responsabilidades sociais que orientam a minha vida e que procuro transmitir aos que me são mais próximos.
Dito isto, deixem-me então manifestar – sem papas na língua – o enorme orgulho na minha carreira desportiva: pelos títulos que conquistei, pelos clubes que representei, pelos companheiros com quem partilhei centenas e centenas de horas de treino e de competição (e de outras exigências da preparação desportiva) e pelos adversários leais que defrontei ao longo de mais de duas décadas de ardorosa competição. É pois enorme o meu reconhecimento para com muitas pessoas e para com muitas instituições. Mas a minha maior gratidão vai em grande parte para os treinadores com quem me cruzei porque foram eles que me fizeram acreditar que era possível conseguir ultrapassar os meus limites e assim construir uma “identidade de guerreiro” de que muito me orgulho. Ainda hoje recordo as palavras sábias e encorajadoras de alguns treinadores durante a preparação dos jogos ou nos “descontos de tempo” de jogos apertados, o modo perspicaz como desenhavam as jogadas para os segundos finais, os cestos decisivos que daí resultavam, as vitórias impensáveis, os júbilos incontidos, as lágrimas de alegria. Ou seja, são as palavras de encorajamento mas também as imagens dos êxitos passados, resultado do conhecimento desses treinadores, que evoco continuamente nos momentos de grande pressão; e são elas que me libertam dos pensamentos negativos que em tantos momentos me povoam a mente (e quanto mais velho mais pensamentos negativos e maior a necessidade desses recursos de emergência que só as memórias desportivas me consentem).
Mas a minha maior gratidão vai em grande parte para os treinadores com quem me cruzei porque foram eles que me fizeram acreditar que era possível conseguir ultrapassar os meus limites e assim construir uma “identidade de guerreiro” de que muito me orgulho.
É muito comum um atleta em final de carreira sentir-se atraído pelo sonho de vir a ser treinador. Uma espécie de inevitabilidade. Aspira-se vir a ser treinador profissional, trabalhar com os melhores atletas, integrar equipas técnicas de grandes clubes. Também eu fui atraído por esse sonho delirante mas felizmente percebi bem cedo que não estava talhado para trilhar caminhos tão árduos. De resto, tal percurso não é para todos, independentemente da modalidade desportiva. Alguns dos mais virtuosos treinadores dos últimos 20/30 anos da história do desporto internacional são bem conhecidos de muitos de nós. Mostro adiante uma pequena lista de alguns nomes (dos mais recentes) para ajudar a compor uma espécie de “altar de glória” dos melhores treinadores de sempre: Alex Ferguson, José Mourinho e Pep Guardiola no futebol, Phil Jackson, Pat Riley e Gregg Popovich no Basquetebol da NBA, Bernardinho Resende no Voleibol, Tony Dungy no Futebol Americano, Steve Hansen, Graham Henry e Tomás Morais no Rugby, Ruan Pastor e Alexander Donner no Andebol, Moniz Pereira no Atletismo. Claro que outros encaixariam neste altar sem grande dificuldade mas não faz sentido alongar o exercício. Interessa é realçar que todos sem exceção foram inovadores nos processos e nos conceitos que trouxeram para as diferentes modalidades, construíram equipas grandiosas e conquistaram os mais altos galardões desportivos. Acrescente-se ainda a sua especial capacidade de liderança e uma habilidade particular para criarem ambientes favoráveis para o sucesso. São estes aspetos que mais os distinguem dos seus pares e é inegável o tremendo contributo destes treinadores talentosos para o desenvolvimento qualitativo da modalidade, da paixão pelo jogo e do número de adeptos em todo o mundo.
A notoriedade dos “grandes treinadores” é insignificante quando comparada com a grandeza da obra desenvolvida pelos treinadores da formação e pela ação anónima e desinteressada desenvolvida por inúmeros treinadores voluntários em prol do desporto.
No entanto, permitam-me afirmar – de novo sem papas na língua – que essa notoriedade dos “grandes treinadores” é, do meu ponto de vista, insignificante quando comparada com a grandeza da obra desenvolvida pelos treinadores da formação e, sobretudo, pela ação anónima e desinteressada desenvolvida por inúmeros treinadores voluntários em prol do desporto e da atividade física em centenas e centenas de organizações de desporto juvenil em todo o mundo. Acrescento ao rol de treinadores voluntários uma multidão de outros voluntários na proximidade da iniciação desportiva que inclui pais, professores, responsáveis comunitários, gente incógnita, outros familiares dos atletas e muitos jovens sacerdotes em todo o mundo. Grande parte destes voluntários trabalha em atividades do treino propriamente dito, mas outros preferem ajudar em tarefas administrativas, organizar torneios e festivais ou simplesmente tratar dos transportes para os atletas.
Arrisco dizer que ser treinador desportivo e integrar equipas técnicas e administrativas de promoção da atividades desportiva de base social talvez tenha sido uma das primeiras atividades voluntárias no mundo moderno, desenvolvida na proximidade das escolas, dos clubes e de centros recreativos. Ou seja, uma atividade com anos e anos de existência. Claro que um dos problemas neste domínio sempre foi e continua a ser o recrutamento e, sobretudo, a retenção de voluntários. Do mesmo modo, a atribuição das tarefas a esses voluntários levanta habitualmente inúmeras dificuldades. Mas não é esta a questão de fundo. O que pretendo é realçar o importantíssimo papel que os treinadores voluntários e outros membros destas equipas “multifunções” sempre fizeram (e continuam a fazer) nos clubes, nas agremiações, em suma, na comunidade em geral – um trabalho quase sempre despercebido mas imprescindíveis para a eficiência e para o futuro das organizações de desporto juvenil.
Também em Portugal a história dos treinadores voluntários e da multidão de anónimos integrando equipas e clubes desportivos/recreativos é longa e tem ramificações de norte a sul do país. Muitos são aqueles que ainda hoje continuam a doar parte considerável do seu tempo, dos seus conhecimentos de treino específico numa dada modalidade desportiva e mesmo dos seus recursos financeiros a uma instituição, a um clube ou a uma causa desportiva. Os exemplos são inúmeros, direi mesmo incontáveis. O meu tempo de jovem desportista é, deste ponto de vista, igual ao de centenas de outros jovens que povoavam os campos da Constituição, do Lima, do Colégio dos Salesianos, do Parque das Camélias, (na cidade do Porto) e de tantos outros locais de iniciação desportiva por esse país fora. Ou seja, um tempo fortemente marcado pelo trabalho de treinadores que não recebiam um tostão pela tarefa que orientavam e por dirigentes desportivos que pagavam do seu bolso os gastos do clube. Ao longo de anos e anos seguidos, muitos desses treinadores treinavam duas ou três equipas de diferentes escalões competitivos num mesmo clube e orientavam diversos jogos ao fim de semana. De resto, um outro “altar glorioso” com o nome de treinadores e outros voluntários, gente anónima do meu tempo de adolescente basquetebolista seria praticamente impossível de se aguentar em pé tantas as figuras notáveis que aí deveriam ser colocadas e “veneradas para todo o sempre”. Acredito que a mesma dificuldade teria alguém que nos dias de hoje pretendesse edificar um altar da mesma natureza para o basquetebol ou para qualquer outra modalidade desportiva individual ou coletiva de desporto juvenil no nosso país.
Em tempo de Natal deixo aqui este comentário lembrando os homens e as mulheres que em todo o mundo (e particularmente no nosso país) fizeram e continuam a fazer um trabalho maravilhoso e tantas vezes despercebido em prol do desporto dos mais novos. É esse trabalho voluntário e invisível que ajuda as organizações desportivas a serem mais eficientes e a criarem ambientes favoráveis, capazes de ajudar os atletas talentosos a cumprirem o seu destino promissor. Não tenho dúvidas, sem voluntários o desporto juvenil não seria possível. Aqui ou em qualquer outro lugar do mundo.
Votos de um SANTO NATAL.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.