O meu tipo de felicidade

Este novo olhar sobre a perda faz-me viver as despedidas de modo muito agradecido. Com os meus filhos procurei que reconhecessem como é bom que nos doam corpo e alma na despedida de um amigo: nessa dor trazemos tanto mas tanto bem recebido!

É natural que o final do ano letivo seja bastante festejado, porque se avizinha, para a maioria de nós, um tempo de férias. Aí se espera, em família e entre amigos, recuperar as forças de meses extenuantes. Para alguns, é o momento de celebrar conquistas e sucessos, frutos de grande empenho, esforço e dedicação (nos estudos ou no trabalho). Para muitos, por gozarmos um período de descanso mais prolongado nesta altura do ano, pode ser também um tempo de balanço, uma oportunidade para lermos o nosso dia a dia e descobrirmos o que precisará de ser mudado ou melhorado quando regressarmos das férias.

Imagino que sejam poucos aqueles que não anseiam por umas férias, chegado o verão. Para a nossa família, ficam para trás os exames nacionais, as provas finais de curso, os testes sumativos todas as semanas, as correrias para assegurar que os filhos cumprem o horário escolar e ainda os horários das atividades extracurriculares. Ficam no escritório todos os relatórios, os já entregues e os que ainda podem ser finalizados mais tarde, interrompe-se a cadência regular de reuniões infindáveis, organizamo-nos e disciplinamo-nos para terminar aquelas pequenas tarefas que fomos adiando ao longo da loucura dos últimos meses.

Não é, pois, de condenar que vivamos o final de ano letivo como sinónimo de chegada das férias merecidas e desejadas. E deixamos que a alegria inerente domine os dias, atordoe algumas preocupações que cá por dentro possam andar e, de uma forma inconsciente, mascare as dores que também são próprias deste tempo.

É tentador assumir que é mais salutar negar estas dores, que é melhor não pensar nelas pois, se o fizermos, podemos arruinar o tempo que resta e as férias que se aproximam.

Sim, o final do ano letivo também pode trazer dores, porque muitas vezes se terminam ciclos.  E o fim de um ciclo pode implicar despedidas ou perdas dolorosas: na escola, uma turma que já não será a do próximo ano; no trabalho, uma equipa que já não trabalhará num projeto conjunto; entre amigos ou familiares, a partida de algum deles para outra cidade, distante. É tentador assumir que é mais salutar negar estas dores, que é melhor não pensar nelas pois, se o fizermos, podemos arruinar o tempo que resta e as férias que se aproximam. É tentador adiar a vivência das dores que se adivinham, porque, a seu tempo, havemos de aprender a lidar com elas.

Nas últimas semanas, porque os filhos vão crescendo e, com eles, cresce a força das amizades, senti que a eminência das despedidas e a consciência das perdas se estavam a tornar avassaladoras para eles. Reconheci nos seus rostos a relutância que Pedro tantas vezes terá sentido quando se apercebeu que as suas vontades não estavam totalmente alinhadas com a Vontade de Deus. Em cada gesto ou suspiro, eles pareciam dizer: «Senhor, é bom estarmos aqui; se quiseres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» (Mt 17:4)

Porque nunca seria ferida se não houvesse Amor. E, por isso, a dor que essa chaga me traz não se pode dissociar nunca da Alegria do caminho que percorremos juntos, ganhando, assim, outro sentido e outra cor.

Com a doença e morte do Constantino, meu marido e seu pai, descobri que a ferida que me rasga o coração é também lugar de enorme consolação. Porque nunca seria ferida se não houvesse Amor. E, por isso, a dor que essa chaga me traz não se pode dissociar nunca da Alegria do caminho que percorremos juntos, ganhando, assim, outro sentido e outra cor.

No filme Shadowlands, que retrata a relação entre C. S. Lewis e Joy Davidman, podemos escutar, a dada altura, um belíssimo diálogo entre Jack (C.S. Lewis) e a mulher, já doente terminal:

“- Sabes, já não quero estar em nenhum outro lugar. Não espero que aconteça nada de novo. Nem olhar além da próxima esquina nem sobre a colina seguinte. Aqui e agora. É suficiente!

– É o teu tipo de felicidade, não é?

– Sim, é.

– Não vai durar, Jack!

– Não devíamos pensar nisto agora. Não vamos dar cabo do tempo que temos juntos.

– Não o arruinará. Torna-o real! Deixa-mo dizer-te antes que a chuva pare e retornemos.

– E o que há a dizer?

– Que vou morrer. E que gostava de estar contigo nessa altura, também. A única forma de o fazer é se for capaz de falar contigo agora a esse respeito.

– Eu encontro um modo de lidar com isso. Não te preocupes comigo.

– Não, eu acredito que pode ser melhor do que isso. Acho que pode ser melhor do que apenas lidar com isso. O que… o que tento dizer é que… A dor que virá é parte da felicidade de agora.”

Este novo olhar sobre a perda faz-me viver as despedidas próprias deste tempo do ano de um modo muito agradecido. Com os meus filhos, procurei que reconhecessem como é bom que nos doam corpo e alma na despedida de um amigo: nessa dor trazemos tanto, mas tanto bem recebido!

Acredito que é possível viver desta forma todas as nossas perdas, mesmo as de bens materiais ou de capacidades físicas, até as perdas mais esmagadoras, com a ajuda e a graça de Deus. Aí, o nosso tipo de felicidade será a felicidade plena e eterna.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.