Antes da revolução industrial era muito escassa a possibilidade de quem nascia pobre atingir um razoável rendimento pessoal. Era quase inexistente aquilo a que, depois, se veio a chamar o elevador social. Um dos poucos caminhos para melhorar o nível de vida poderia ser a carreira das armas Rouge ou a via eclesiástica Noir, do romance de Stendhal de 1830 Le Rouge et Le Noir.
A partir de finais do século XVIII a revolução industrial veio alterar essa situação. Não imediatamente, pois, tendo saído das aldeias e dos campos, a população que ingressava nas fábricas foi então duramente explorada – assim nasceu a chamada “questão social”.
Mas, a prazo – ou seja, decorridas várias décadas -, o dinamismo da economia decorrente da revolução industrial começou a tornar menos rígida a estratificação social nas sociedades. Embora o elevador social funcionasse com dificuldade e não envolvesse largas maiorias, percebeu-se que já não era sempre um destino fatal a pobreza para quem nascera pobre.
Revolução industrial e elevador social
Na sociedade portuguesa essa possibilidade de ascensão social sentiu-se no século XX, apesar de a modernização da economia portuguesa ter sido fraca e lenta. Tornaram-se conhecidos casos de filhos de pessoas pobres que conseguiam, por vezes, melhorar de nível de vida e ascender a níveis sociais elevados.
Mais: numerosos pais faziam consideráveis sacrifícios para permitirem que os filhos tivessem uma educação a que eles próprios não tinham tido acesso e assim escapassem à pobreza. Não possuo dados estatísticos para fundamentar esta afirmação, mas creio poder dizer que, pelo menos os mais velhos de entre nós, conheceram casos destes.
Havia, portanto, um sentimento de esperança no futuro. A economia crescia e as condições de vida iam melhorando, tornando a aposta no futuro dos filhos uma aposta racional da parte de pais pobres ou da classe média baixa.
O elevador social encravou
Por volta da viragem de século, quando da entrada do século XXI, porém, o elevador social parece ter avariado. Não só o crescimento económico abrandou como passaram os pais da classe média a preocuparem-se com as perspetivas sombrias quanto ao futuro dos filhos. Dir-se-ia que o futuro já não é o que era…
Ou seja, passou a ser considerado normal esperar que as condições económicas dos filhos viessem a ser piores do que as dos pais. É uma mudança radical, que trouxe o pessimismo à vida quotidiana de muitas pessoas.
Sente-se isso entre nós. Mas noutras paragens também. Repare-se, por exemplo, no que se passa nos Estados Unidos. A economia americana tem crescido razoavelmente, mas as sondagens mostram que a maioria dos americanos está descontente com ela (o que complica a vida do presidente Joe Biden e facilita o regresso de Trump à Casa Branca).
Dificuldades dos jovens
Regressando a Portugal, são patentes as dificuldades atuais dos jovens – dificuldades em arranjar um emprego decentemente pago (por isso muitos emigram), dificuldades no acesso a uma casa (o que prolonga a estadia em casa dos pais) e sérias preocupações quanto ao que receberão como pensão quando se reformarem.
A sociedade portuguesa é agora das mais envelhecidas do mundo. E em matéria de segurança social o que vemos é um aumento do dinheiro encaminhado para pagar reformas, ao mesmo tempo que diminuem os trabalhadores no ativo que descontam para a futura reforma. É um problema que tende a agravar-se e que muito pesa nas perspetivas dos mais novos.
O pessimismo quanto ao futuro também terá alguma coisa a ver com o fracasso dos grandes projetos políticos de esquerda. A revolução comunista, que na origem terá tido uma preocupação com a sorte dos mais pobres, revelou-se um logro. A União Soviética foi durante algum tempo um país que se industrializou à custa de fortes restrições nos direitos das pessoas.
A propaganda soviética durante décadas transmitiu a ideia de ter superado as mazelas do capitalismo de mercado. E muita gente acreditou, fora da União Soviética. Depois foi patente que o comunismo não só não garantia um rápido crescimento económico como violava sistematicamente os direitos humanos.
Depois do colapso do comunismo soviético, as ideias anti-capitalistas de esquerda, visando a melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos, defrontam um problema – dificilmente encontram um país onde a estatização da economia tenha sido aplicada com sucesso e sem ofender a liberdade das pessoas. Falta, assim, um país que pudesse servir de guia e farol para os países capitalistas, papel que – erradamente – a União Soviética desempenhou durante longos anos.
A Economia de Francisco
Contra este clima pessimista e os problemas de uma “economia que mata” lançou o Papa Francisco o apelo a uma outra economia, mais humana, mais justa, mais ecológica, inspirada em S. Francisco de Assis. Mas não é ao Papa que cabe concretizar o que possa vir a ser essa economia. Por isso foi lançado um movimento.
Como disse à Agência Ecclesia Jorge Bernardino, da Comissão Diocesana Justiça e Paz, Coimbra, o movimento foi lançado por Francisco em 2019, com o objetivo de repensar o modelo económico atual, que é baseado no lucro e na competição, em favor de um modelo mais solidário e equitativo
A Economia de Francisco baseia-se em dez princípios: pôr a economia a serviço dos povos; dizer “não” a uma economia de exclusão; combater todas as formas de desigualdade e marginalização económica; construir uma economia inclusiva; proteger a casa comum, com práticas económicas ambientalmente sustentáveis; privilegiar soluções de longo prazo que beneficiem as futuras gerações; fomentar a solidariedade e a cooperação; reconhecer o valor do trabalho humano; promover a justiça fiscal; buscar a paz e a justiça social; amar a nossa economia e a nossa humanidade.
No fundo, trata-se de reformar o capitalismo, algo que, no passado, já aconteceu, pelo menos até certo ponto. Reforma que se pretende socialmente justa, porque ditada por um espírito de responsabilidade face à situação dos marginalizados e excluídos. Uma reforma que dê espaço ao mercado, mas que reconheça os limites dos mercados, tantas vezes apontados pelos últimos Papas.
O apelo do Papa Francisco não pode ficar sem uma resposta empenhada. Somos todos responsáveis por concretizar a Economia de Francisco.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.