O filho de Musk está a mandar-nos calar

X Æ A-Xii não é um menino qualquer. É filho do multimilionário tecnocrata que faz parte da pequena oligarquia que se instalou no poder nos EUA, associando-se a Trump, mas que detém muito mais poder político e simbólico do que o Presidente.

Um boné enterrado quase até aos olhos. Um sobretudo por cima de uma t-shirt. Elon Musk está de pé, ocupando o espaço onde se centram as atenções, enquanto ao lado, um Presidente Trump abatido, parece apagado, sentado à secretária da Sala Oval que, durante décadas, foi um dos maiores símbolos de poder do mundo. Musk não está sozinho. Trouxe o filho de quatro anos, um rapaz com um nome impronunciável, que é um dos 12 filhos que teve com três mulheres (vários deles recorrendo a técnicas de procriação medicamente assistida). O menino, impecavelmente vestido, é apresentado por Donald Trump como “um indivíduo com um QI muito elevado”. Esta cena pode parecer só mais um momento caricato, desenhado para captar a atenção mediática, mas ela revela uma mudança política profunda.

Quando o pequeno X se aproximou de Donald Trump e o mandou calar-se, dizendo-lhe que se devia ir embora porque “não é o Presidente”, houve quem achasse graça. As redes sociais encheram-se de vídeos sobre o “adulto na sala”, o rapaz capaz de mandar calar Trump. Quem se alegrou com isso, não percebeu nada do que aconteceu na Sala Oval.

X Æ A-Xii não é um menino qualquer. É o filho de um multimilionário tecnocrata que faz parte da pequena oligarquia que se instalou no poder nos Estados Unidos, associando-se a Trump, mas que detém hoje muito mais poder político e simbólico do que o próprio Presidente. Lil X, como também é chamado, pode não saber isso. Mas intui-o. Intui-o da mesma forma que os pequenos príncipes percebiam rapidamente o papel que lhes cabia no mundo. A forma como se aproximou de Trump para o mandar calar demonstra claramente que X sabe quem manda.

Intui-o da mesma forma que os pequenos príncipes percebiam rapidamente o papel que lhes cabia no mundo. A forma como se aproximou de Trump para o mandar calar demonstra claramente que X sabe quem manda.

O rapazinho sabe quem manda e o seu pai quer que o percebamos também de forma clara. É por isso que se pode dar ao luxo de aparecer de boné e t-shirt na Sala Oval ou de falar de pé aos jornalistas, enquanto segura o filho aos ombros. É por isso que nem pestaneja quando uma jornalista o confronta com a informação falsa que fez circular sobre uma suposta oferta de preservativos feita pelos Estados Unidos a Gaza, admitindo displicentemente que se engana. Elon Musk faz o que faz porque pode.

Se, ao contrário do pai, o menino se apresenta com uma roupa formal para a ocasião é porque isso também tem um significado. A criança que tem “um QI muito elevado” é a demonstração de como há uma certa elite que se deve reproduzir e a maneira como está vestido ou as palavras que usa quando pede para ir à casa de banho revelam que pertence a essa elite.

Musk, o mesmo homem que pretende cortar a fundo nos gastos com Educação nos Estados Unidos e que quer desmantelar as redes de apoio de que dependem milhões de crianças pobres em todo o mundo, segue há muito um pensamento pro-natalista, segundo o qual os mais capazes se devem reproduzir tanto quanto possível, recorrendo até a técnicas de seleção genética, para garantir que só os “melhores” embriões vingam. E se isto soa vagamente a eugenia, é porque é exatamente a outra face dessa mesma moeda, em que ficou cunhada pela ideologia nazi a ideia de que só alguns se devem reproduzir.

Não é a primeira vez que uma elite com um poder financeiro assente em monopólios domina o poder nos Estados Unidos. Em 1873, Mark Twain e Charles Dudley Warner publicaram um romance chamado “The Gilded Age: A Tale of Today”, desenhado para denunciar com sátira a corrupção e a ganância que se instalou na política americana após a guerra civil. “Gilded” é uma palavra curiosa, porque a tradução mais direta é “dourado”, mas esta não é uma “era dourada” é mais uma época coberta “com uma fina camada de folha de ouro”, uma forma mais à letra de traduzir este vocábulo.

É que numa era de grande expansão dos caminhos de ferro e quando invenções extraordinárias como o telefone ou o automóvel chegavam à vida de muitos americanos, havia milhões a passar fome e um pequeno punhado de magnatas controlava (até pelo suborno descarado) a política, promovendo, por exemplo, políticas de restrição à imigração e um discurso contra os negros, que tinham conseguido, em teoria, direitos iguais perante a lei em 1870.

Na altura, a ascensão ao poder de Teddy Roosevelt, eleito presidente em 1901, veio pôr algum freio aos poderes sem limites desta pequena oligarquia, impondo um sistema de impostos progressivos e leis anti-trust. Anos mais tarde, um primo dele, Franklin D. Roosevelt, acabaria por criar a segurança social, o seguro de desemprego e a semana de 40 horas. Essas políticas progressistas só foram possíveis porque antes de Teddy Roosevelt chegar ao poder houve uma série de movimentos trabalhadores que, apesar de fortemente reprimidos, fizeram várias greves e manifestações, e porque houve jornalismo de investigação a destapar os esquemas de corrupção da Gilded Age.

Desta vez, a tecnologia é mais disruptiva do que os caminhos de ferro, o telefone ou o automóvel e o seu poder sobre as nossas vidas mais avassalador e completo. Mas a História serve para nos mostrar que não há lutas impossíveis nem poderes perpétuos. No momento em que esta nova oligarquia se instala na Sala Oval, devemos lembrarmo-nos disso. O filho de Musk está a mandar-nos calar. Devemos desobedecer-lhe já.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.