Diz-se que Arquimedes de Siracusa prometeu mover o mundo se lhe dessem uma alavanca e um ponto de apoio. Ninguém atendeu à fanfarronice do grego, felizmente, e o mundo ficou quedo. Os jovens – esse etéreo grupo – são mais modestos: ofereçam-lhes uma causa e o mundo mover-se-á. Mas em princípio, vendo os exemplos do passado, será em direção ao desastre.
Na sua mocidade, a geração de que faço parte – agora atarefada a pagar empréstimos e em mudar cueiros – não se notabilizou particularmente por nada em especial. À exceção dos ocasionais “cordões humanos” e de trautear “Ai Timor”, perpetrado por Luís Represas, no essencial dedicou-se com bastante proveito ao ócio e a experimentações sortidas, de preferência sem incomodar os respetivos progenitores – à data, a ameaça dos corretivos corporais ainda era levada a sério.
Mas se não causava sarilhos, a aparente abulia da juventude gerava inquietude nas gerações mais velhas. Embora a fórmula conhecesse variações, a recriminação consistia em apontar a falta de causas e ideais à juventude. E lá para o fim da prédica, costumava ser proferida a frase fatal: “ao menos nós lutávamos por alguma coisa”. O tom mais abafado e lamentoso com que pronunciavam a tirada final devia mais a um certo embaraço do que a uma alegada superioridade moral. Percebe-se. Crer com zelo quase religioso nos ensinamentos de alucinados genocidas e lutar pela implantação na pátria de um regime que, na melhor das hipóteses, seria apenas uma ditadura, não é um bom argumento.
E lá para o fim da prédica, costumava ser proferida a frase fatal: “ao menos nós lutávamos por alguma coisa”.
Mas esse tempo parece ter acabado. A menina Greta (não estou a inventar) Tintin Thunberg despertou a juventude e impediu que a sua geração perpetuasse o caminho da apatia. Ofereceu-lhes uma causa: a defesa do ambiente e a luta contra as alterações climáticas. Posta na sua enxuta literalidade, daqui não parece resultar grande mal para o mundo. Acontece que dentro de cada adolescente ou jovem – e se for estudante, ainda pior – há um fanático em potência. (A leitura de “Os Demónios” de Dostoievski, cujo bicentenário do seu nascimento se comemora este ano, é bastante útil a este respeito)
A juventude tende a ser dramática – um amor não correspondido é o fim do mundo. No caso da senhorita Thunberg e dos seus zelotas, nem sequer há amor, só fim do mundo. E está para breve. De cada vez que vejo a jovem ativista a perorar sobre a iminente catástrofe global, rodeada por cartazes com “palavras de ordem”, escritos com lápis de cor e marcadores coloridos, vem-me à ideia a clássica cena de Hollywood em que um indivíduo empunhando um cartaz – lá está – convida os transeuntes a arrependerem-se, pois o fim está próximo.
O rol de desgraças apresentado pela juventude que luta contra as alterações climáticas é medonho. E de desastre em desastre, avisam-nos, estamos a caminhar rapidamente para a extinção. A narrativa parece ter surtido efeito. Realizam-se extravagantes conferências do clima. Chefes de nações e de organizações internacionais são fotografados ou surgem, circunspectos e emocionados, a discursar com água pelas canelas. E o impacto da mensagem já assume foros de doença e levou os especialistas a cunhar o termo eco-ansiedade. A maleita ainda não está incluída no DSM – mas é uma questão de tempo.
Já que a juventude ativista do clima se propõe mover o mundo, ao menos que o faça sem fanatismo. Um pouco mais de prudência como alavanca e de sensatez como ponto de apoio, e talvez o resultado não seja um desastre.
O mundo não começou ontem, e dificilmente acabará amanhã. As sociedades industrializadas conheceram um progresso sem precedentes nos últimos duzentos anos. As descobertas científicas e os avanços na medicina, por exemplo, permitiram curar definitivamente doenças que dizimavam populações. Mais gente escapou à inanição e da miséria neste período do que em qualquer outro na História. Nunca tanta gente deteve tantos recursos e uma qualidade de vida como atualmente. E ao contrário do que parece resultar da perceção geral, a violência e o crime estão em declínio.
As sociedades de bem-estar e conforto em que a maioria dos jovens ativistas vive assentam numa riqueza criada também – mas não só – à custa de recursos naturais e que gera consequências claramente nefastas. Os que anunciam o Armagedão climático talvez devessem reconhecer que o tempo e a qualidade de vida de que dispõe para fazer valer as suas gritarias deve muito à industrialização que tanto criticam. Parece-me bastante evidente que seria mais complicado protestar de barriga vazia.
Já que a juventude ativista do clima se propõe mover o mundo, ao menos que o faça sem fanatismo. Um pouco mais de prudência como alavanca e de sensatez como ponto de apoio, e talvez o resultado não seja um desastre.
Fotografia de: Mika Baumeister – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.