Um comediante norte-americano disse que se a George W. Bush sucedeu Obama então, depois de Donald Trump, o próximo presidente dos Estados Unidos da América (EUA) teria de ser Jesus Cristo. Há graça e gravidade na afirmação. Para além de carismático e um notável tribuno, Obama era um homem civilizado, culto e sensato. Atributos que faltavam ao seu canhestro antecessor. Após os desmandos de Trump, a redenção dos EUA exigiria a tomada de posse do Messias. A piada foi debitada por um americano mas de certa forma ilustra a relação que uma certa europa, onde se inclui Portugal, tem com aquele país.
Entre o deslumbramento mais ou menos primário e as gritarias indignadas a roçar o ódio contra o imperialismo norte-americano, talvez falte alguma moderação. Consumimos sem critério os filmes, as séries de televisão, a música, a literatura, a tecnologia, as marcas de roupa e a comida norte-americanas. Adoptamos os comportamentos e aderimos aos movimentos sociais e políticos que ali germinam. E, ao mesmo tempo, durante um hambúrguer e uma Coca-Cola no McDonald’s, pegamos no I-Phone e via Facebook ou Twitter partilhamos a última demonstração cabal de que Trump é um espião russo, que a invasão do Iraque foi um pretexto das petrolíferas e que, de caminho, o mundo se abeira do Armagedão.
Verdade que os EUA se colocam a jeito ao atuarem com arrogância e sobranceria. Utilizaram o seu poderio económico para fazer uma espécie de bullying comercial a nível planetário. E como super potência militar depuseram regimes – directamente ou financiando as oposições indígenas – e travaram guerras desnecessárias e de legalidade duvidosa. Contribuindo para desestabilizar regiões que conheciam mal, com a ingénua suposição de que a democracia poderia ser tratada como um bem susceptível de ser exportado. Como dolorosamente está demonstrado, não é.
Que as ações de Trump escandalizem em si mesmo, é natural e em larga medida compreensível. O que não se pode alegar é que são uma novidade. O homem disse ao que vinha.
Estranhamos e ficamos inquietos com a persistência da pena de morte em trinta estados americanos. Gera perplexidade o quão fácil é para um americano comprar uma arma. Assistimos com cada vez maior indiferença – que a repetição de um fenómeno acaba sempre por gerar – aos tiroteios e massacres de inocentes nas escolas ou em locais públicos (Enquanto esquecemos Utoya). E rimo-nos com uma satisfação mesquinha da “ignorância” do americano médio quando, incauto, é surpreendido na rua e se lhe pede para nomear a capital de um país europeu ou exprimir uma opinião sobre um assunto da atualidade. (Desconfio que um transeunte português colocado em situação idêntica mostraria a mesma ignorância.)
Trump, uma figura improvável, fez uma campanha eleitoral em que revelou um profundo desconhecimento sobre áreas fundamentais da governação e impreparação para o cargo de presidente. Mas disse muito claramente o que pretendia fazer: desde a construção do famigerado muro à retirada dos EUA do Acordo de Paris relativo às alterações climáticas. Que as ações de Trump escandalizem em si mesmo, é natural e em larga medida compreensível. O que não se pode alegar é que são uma novidade. O homem disse ao que vinha.
Jovem quando comparado com a maioria dos países europeus, os EUA são uma democracia antiga. Antes da Revolução de 1789, já tinha havido 1776 e a independência da Inglaterra e a redacção da Constituição dos Estados Unidos. Os redatores da lei fundamental e dos seus aditamentos foram homens particularmente sábios. Tiveram a lucidez suficiente para reconhecer que os cargos públicos nem sempre seriam exercidos por homens virtuosos e decentes. Na maioria das vezes poderia suceder justamente o oposto. Daí a necessidade de limitar os poderes públicos e de estabelecer o famoso sistema de pesos e contra-pesos.
Barack Obama foi um presidente decente. O que não é pouco. Trump, ao invés, não é um homem decente nem um político recomendável. Como alguém já disse, assemelha-se a uma figura de fim de império. O facto de ter escolhido como slogan “Let´s Make America Great Again” é todo um programa. No meio disto, nem Obama era um anjo nem Trump será a incarnação do Mal; e, por decorrência, nem os EUA eram um paraíso nem são agora um inferno. Talvez um pouco de moderação: por vezes, um mau presidente é apenas um mau presidente.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.