Na Terra como no Céu (vontades e virtudes)

Entregar nas mãos de Deus a vida de cada um e pedir-Lhe que seja feita a Sua vontade é uma grande exigência que a humanidade de cada um tende a objectar.

“Assim na Terra como no céu…”, quantas vezes, cada um de nós já rezou esta frase? Muitas, com toda a certeza!

Jesus rezou-a primeiro. Escolheu-a para nos ensinar a rezar como Ele. É de grande exigência a exortação que faz nesta passagem (Mt, 6), incita-nos, a propósito da oração, a não sermos hipócritas como os que simplesmente desejam ser vistos e vangloriados pelos demais; convida-nos a sermos reservados e orarmos com discrição; conforta-nos com a certeza de que Deus conhece as nossas necessidades e desejos mesmo antes de serem sentidos, mesmo antes de nós Lhe pedirmos.

A expressão “assim na Terra como no Céu” surge na oração do Pai Nosso, logo a seguir à frase “…seja feita a Vossa vontade…”, e talvez por isso nos passe tantas vezes despercebida, porque nem sempre é fácil estar disponível para fazer a vontade de Deus e é possível ficarmos agarrados a esta ideia.

Entregar nas mãos de Deus a vida de cada um e pedir-Lhe que seja feita a Sua vontade é uma grande exigência que a humanidade de cada um tende a objectar. Talvez seja fácil para os Santos, talvez seja possível encontrar a alegria na fidelidade de tal despojamento, mas para a maioria (atrevo-me a dizer), seria tão mais verdadeiro, tantas vezes, dizer “seja feita a minha vontade”. Não por presunção, mas por crermos que sabemos o que é melhor para nós e para os que nos rodeiam; porque aquilo que pedimos são, normalmente, questões eticamente aceitáveis; porque na nossa pequenez também queremos participar na construção de um mundo melhor…

“Queira eu o que Deus quer” reza uma canção cheia de beleza. A primeira vez que ouvi esta música ser cantada foi num momento que nunca mais esquecerei. Foi no funeral de um bebé e o coro, constituído por amigos dos pais e pelos próprios pais da criança, a cantava com uma profunda paz e dor. Acho que foi o maior ato de fé que tive o privilégio de testemunhar. Como conseguiam aqueles pais entregar nas mãos de Deus o seu filho e ainda ter a coragem de dizer “queira eu o que Deus quer”? A vontade de Deus é tantas vezes incompreensível para a Humanidade; a distância dos nossos pensamentos e desejos para os de Deus é demasiado grande para que a possamos compreender. Porém, a maioria das vezes, fazer a vontade de Deus é alegria, pois é quando fazemos o Bem e estamos a caminhar de Bem para melhor, é simplesmente encontrar o Seu caminho de felicidade para cada um de nós. Não é algo necessariamente extraordinário, mas uma experiência que comporta trabalho, fidelidade e dedicação. É um convite de felicidade, não de facilidade.

Porém, a maioria das vezes, fazer a vontade de Deus é alegria, pois é quando fazemos o Bem e estamos a caminhar de Bem para melhor, é simplesmente encontrar o Seu caminho de felicidade para cada um de nós. Não é algo necessariamente extraordinário, mas uma experiência que comporta trabalho, fidelidade e dedicação. É um convite de felicidade, não de facilidade.

Já ouvi, tantas vezes na vida, dizer que é fácil ser católico porque cremos no perdão dos nossos erros e desvios. Como se as infidelidades ao amor não causassem dor ao próprio e aos outros; como se para pedir o perdão não tivéssemos de estar verdadeiramente arrependidos! Temos a certeza do perdão, mas porque nos sabemos em relação e porque somos conhecedores da nossa pequenez, comparativamente com a enormidade do amor com que fomos amados primeiro, ser católico é ser de Deus, e isso é algo de uma exigência gigante e de uma beleza ainda maior.

Porém, logo de seguida, na mesma frase, surgem então as palavras “…assim na Terra como no Céu”. O grande segredo dos Santos é o de conseguirem viver, já neste mundo, como se estivessem no Céu; viver a vida como se estivessem na presença constante de Deus; amar como quem conhece o Amor.

“Encontrei meu céu na terra, posto que o céu é Deus e Deus está em minha alma” diz Santa Isabel da Trindade.

Para quem não é santo, como é o meu caso, escolher lutar sob a bandeira do Amor exige um esforço hercúleo. Não é um percurso exclusivo dos crentes, é o caminho da virtude, de quem quer passar pelo mundo fazendo o Bem. E consegui-lo, para um cristão, é viver procurando andar na presença de Deus, reconhecê-Lo e imitá-Lo.

Ser virtuoso é, então, ter valor, ter excelência. Não se nasce virtuoso- aprende-se, treina-se. As virtudes não são boas nem más; dependem do uso que fazemos delas e daí a velha expressão “no meio é que está a virtude”- uma faca afiada não tem valor intrínseco, depende do uso que lhe é dado; a mesma faca nas mãos de um assassino ou de um talhante tem um poder e um efeito muito diferentes.

As virtudes são o que fazem o Homem humano – somos o uso que lhes damos. E é aqui que se cruza a Ética com a Moral- a Moral como conjunto de regras: o bem e o mal, o certo e o errado; e a Ética como reflexão filosófica sobre esses princípios. Indicações sobre “Qual é o caminho para se ser feliz?” ou “Como viver?” são-nos demonstradas por Jesus, com frequência, nos relatos do Evangelhos.

A Fé, a Esperança e a Caridade são as virtudes que alicerçam a relação com Deus e com o nosso semelhante. São virtudes que nos são dadas por Deus e para si direccionadas. Daí o termo de teologais, são as que nos permitem entrar em relação. Porém, as que estão dependentes de nós podem e devem ser trabalhadas. A virtude é o esforço de coerência de viver no quotidiano os ensinamentos de Jesus, e aplicá-los na vida.

A Fé, a Esperança e a Caridade são as virtudes que alicerçam a relação com Deus e com o nosso semelhante. São virtudes que nos são dadas por Deus e para si direccionadas. Daí o termo de teologais, são as que nos permitem entrar em relação. Porém, as que estão dependentes de nós podem e devem ser trabalhadas. A virtude é o esforço de coerência de viver no quotidiano os ensinamentos de Jesus, e aplicá-los na vida.

Não sendo uma virtude, a simpatia é a base de relação com os outros, é porta de entrada para o diálogo e para o acolhimento recíproco.

Sendo as virtudes Cardeais as que mantêm a orientação do caminho cristão: a Prudência ajuda a discernir a sabedoria do Bem; a Justiça consiste na vontade de dar a cada um o que lhe é devido; a Temperança leva ao caminho de saber viver com sobriedade e equilíbrio e a Fortaleza assegura a firmeza na procura do Bem.

Sendo as virtudes Cardeais as que mantêm a orientação do caminho cristão: a Prudência ajuda a discernir a sabedoria do Bem; a Justiça consiste na vontade de dar a cada um o que lhe é devido; a Temperança leva ao caminho de saber viver com sobriedade e equilíbrio e a Fortaleza assegura a firmeza na procura do Bem.

Contudo, para viver na Terra como no Céu, outras virtudes se levantam, e é esta a beleza da nossa humanidade: a Fidelidade, a Generosidade, a Coragem, a Compaixão, a Misericórdia, a Gratidão, a Humildade, a Simplicidade, a Tolerância, a Doçura, o Humor, a Boa-fé…entre outras, conduzem-nos à vivência do Amor que é transversal a todas as virtudes. Daí, Santo Agostinho, dizer “Ama e faz o que quiseres”. O Amor deve ser o princípio e o fim de todas as coisas.

O Amor a que somos chamados é Ágape, na etimologia grega. É a perfeição do Amor de Jesus e, apesar da utopia que a define, tendo em consideração a pequenez da nossa humanidade, é o tipo de Amor que somos convidados a viver. Não é uma imposição, pois se fosse quebraria os princípios da liberdade e deixaria de ser uma virtude, mas o dever de agir como se amássemos, pois a prática de amar estrutura o Amor.

É a perfeição do Amor de Jesus e, apesar da utopia que a define, tendo em consideração a pequenez da nossa humanidade, é o tipo de Amor que somos convidados a viver.

É um amor diferente…é fraco porque confia na força de Deus que o sustenta; é grande na sua pequenez; é doce na acidez da sua exigência; é brutalmente delicado; é cheio de intenção porque se esvazia de si mesmo; prefere eximir-se a “levar a sua avante”; é dar sem querer guardar; é querer mais perder do que possuir. É um amor que se identifica com a fragilidade humana e que é exponenciado, na vida, pela doação gratuita, desinteressada, livre e pura, que cada um consegue ser e fazer.

“Deus é amor”. Amou-nos primeiro. Ama-nos sem razão, não pelo que valemos. Ama-nos mesmo sem termos valor. Que tenhamos a coragem de nos atrevermos a viver por Amor e assim vivermos já “na Terra como no Céu”.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.