A União Europeia (UE) defronta muitos problemas. Um deles, que veio para a primeira página da atualidade há meses, é a insatisfação dos agricultores com a política agrícola comum. Quem trabalha a terra quer receber melhor rendimento; os agricultores queixam-se de um excesso de burocracia que acaba por reduzir o que recebem.
Decerto que é possível limitar esse “excesso de burocracia”. Mas não é possível eliminar a burocracia quando não se confia apenas no mercado. Se os agricultores recebessem apenas aquilo que é ditado pelo mercado, receberiam um rendimento muito inferior ao que agora auferem, o que seria injusto.
É por uma decisão política que os agricultores ganham acima do que resultaria do mero funcionamento do mercado. Considera-se que a agricultura traz aos países benefícios para além da alimentação. Evita a desertificação de inúmeros terrenos, por exemplo.
Então o rendimento dos agricultores, como o de qualquer outra atividade protegida, passa a ser determinado, não pelas regras do mercado, mas por leis e normas emanadas do poder político. Perde-se a simplicidade do mercado em nome da justiça social.
Mas o poder político dificilmente consegue definir o apoio a dar aos agricultores sem entrar em numerosas especificações, prevendo a pluralidade de situações. Além de que seria irrealista não introduzir alterações quando a realidade o exigir. Pelo que será utópico esperar que o poder político, ou seja, a Comissão Europeia e os governos nacionais, adotem esquemas simples de benefícios devidos aos agricultores.
Gastar mais na defesa
Uma outra área onde é previsível que se venha a sentir insatisfação é o imperativo de gastar mais na defesa. Não sabemos quem ganhará as eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 5 de novembro próximo. Se o vencedor for Trump, é de prever um apelo ao aumento urgente das despesas com a defesa na UE, porque os Estados Unidos deixarão de se interessar em proteger a Europa.
A situação económica europeia não está brilhante. É certo que não houve recessão séria, mas as previsões de crescimento das economias europeias são modestas, com o PIB a subir por vezes abaixo de 1% e quase sempre menos de 2%. Por isso teria sido aconselhável que os governos tivessem entrado em explicações pedagógicas há meses, justificando a necessidade de gastar mais em armas e munições. Infelizmente, não foi o que aconteceu.
Assim, os governantes vão ter que convencer os eleitores que gastar mais na defesa europeia é uma condição indispensável para a UE ter uma voz na cena internacional e para proteger os seus cidadãos.
Não faltarão protestos dos que classificam de belicista essa subida na despesa. Mas trata-se simplesmente de a Europa, que já é considerada um anão político, não passar a ser irrelevante no mundo atual.
Risco de perder a liberdade
A insatisfação de muitos europeus tem numerosas origens, algumas nem sempre claras. Até há poucas décadas, os europeus habituaram-se a melhorar de situação económica à medida que os anos passavam. Mas agora é frequente os filhos viverem com mais dificuldades do que a geração dos pais. Ou seja, o futuro será pior do que o presente.
A situação é explorada pela extrema direita, que encontra algum eco na juventude. O pessimismo poderá levar ao descrédito da democracia, um regime que não permite decisões rápidas, como as que os autocratas e os ditadores se gabam de tomar. Esperemos que um certo cansaço com a democracia não leve à perda da liberdade.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.