Imagine-se em frente de uma turma com 27 crianças[1], em idade escolar, todas elas residentes em países da União Europeia. Imagine agora que lhe davam a possibilidade de conversar com esta turma sobre o que pensa da escola e o que espera relativamente ao futuro.
Após uma primeira pergunta e com algum agrado, iria perceber que, para 72% da sua turma ir à escola é uma experiência positiva e feliz. As amizades que se fazem são o aspeto positivo mais valorizado (84%), sendo o corpo docente (46%) e as aulas (40%) também valorizados, mas com muito menor intensidade. Se por acaso estiver a conversar com uma turma do ensino básico, a sua turma sente-se muito mais feliz por andar na escola do que uma turma do ensino secundário.
A meio da conversa tenta perceber que fatores levam a que a sua turma sinta insatisfação face à escola. Aqui a resposta não é clara, pois existe uma diversidade de perspetivas. Cerca de 35% dos alunos sentem que as aulas são difíceis e 14% identificam ainda sentimentos de solidão, preconceito por parte dos docentes ou bullying por parte de colegas como fatores negativos. Além do mais, apenas 28% dos alunos da sua turma confia que a educação que recebe é verdadeiramente útil e disponibiliza ferramentas para o futuro, sendo que este número desce para 20% no caso de ter à sua frente crianças com 17 anos.
No final, as crianças partilham consigo o que gostariam de ver mudar na escola: 62% gostavam de ter menos trabalhos de casa, 57% de ter aulas mais interessantes e 47% que o corpo docente as escutasse mais. Os mais novos gostavam de ter mais atividades desportivas (33%) e os mais velhos de aprender mais sobre os seus direitos (31%). A turma gostava também de ter mais atividades artísticas (31%), melhores edifícios escolares (30%) e de poder ser uma turma mais pequena (25%).
A turma gostava também de ter mais atividades artísticas (31%), melhores edifícios escolares (30%) e de poder ser uma turma mais pequena (25%).
Esta turma que imaginou é a realidade europeia que fica espelhada no relatório “Our Europe, Our Rights, Our Future”, preparado pela Comissão Europeia, em associação com várias organizações mundiais de defesa dos direitos da criança. Este relatório é o resultado de um processo de auscultação realizado a mais de 10.000 crianças e serviu de base para a criação da primeira Estratégia da União Europeia sobre os Direitos da Criança, apresentada no final de março.
Esta estratégia pretende desenvolver uma abordagem mais compreensiva na área da Infância, capaz de refletir a partir de novas realidades criadas e/ou exacerbadas pela pandemia da COVID-19 e de continuar a dar respostas aos desafios já existentes. Ela organiza-se em torno de seis domínios temáticos: 1) participação das crianças na vida política e democrática, 2) inclusão socioeconómica, saúde e educação, 3) combate à violência contra as crianças e assegurar a sua proteção, 4) direito a uma justiça child-friendly 5) sociedade digital e da informação e 6) dimensão global dos direitos da criança.
Dentro do domínio da inclusão socioeconómica, saúde e educação, foi também adotada uma proposta de recomendação do Conselho que estabelece uma Garantia Europeia para a Infância. Esta tem por objetivo promover a igualdade de oportunidades para os cerca de 22% de crianças europeias que vivem atualmente em risco de pobreza ou de exclusão social, especialmente ao nível do acesso a serviços essenciais, como o acesso a cuidados de saúde, ou o acesso à educação na primeira infância, a equipamento adequado para o ensino à distância e a pelo menos uma refeição saudável por dia de aulas.
A escola, embora seja uma instituição que vai permanecendo, de alguma maneira, longe dos interesses das crianças e jovens, continua a desempenhar um papel essencial na construção de sociedades mais justas e equitativas. Para os próximos anos e para o processo de recuperação pós-pandemia que nos espera, é essencial continuarmos a investir na consolidação de comunidades educativas que se assumem e reconhecem enquanto pontes. Pontes que unem e articulam entidades de naturezas diversas (públicas, da sociedade civil e privadas). Pontes que vão criando relações de colaboração construtoras de soluções para as problemáticas educativas, sociais, económicas, culturais e ambientais que existem em cada território.
[1] A partir da Convenção sobre o Direito das Crianças, assumo ao longo do texto a definição de criança enquanto “todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.”
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.