As medicinas ditas alternativas têm estado na ordem do dia, nomeadamente no seu confronto com a medicina convencional, de suporte científico mais sólido. Embora em planos diferentes, destacam-se a acupunctura, a osteopatia e a homeopatia. A primeira é herdeira de longa e sólida prática oriental e tem como cartão de visita a intervenção terapêutica com agulhas, a segunda centra-se na manipulação corporal (essencialmente óssea mas também ampliada aos órgãos internos) e a terceira na manipulação e ingestão doseada de produtos naturais, à base de plantas e de outras substâncias.
Estas medicinas têm sido acusadas de se situar no plano das “pseudociências” e as polémicas agudizam-se no âmbito da respetiva legalização plena, creditação, monitorização e eventual acesso a patrocínios estatais, reconhecimentos e comparticipações aos utentes que a elas recorrem.
A empresa científica, que suporta a medicina dita convencional, pressupõe um conjunto de metodologias e práticas rigorosas, que incluem um escrutínio apertado de teorias e ensaios clínicos, submissão de publicações científicas avaliadas por pares, etc. Trata-se de um processo lento mas seguro, nos critérios da sociedade em que vivemos e da cultura científica vigente.
Como seria de esperar, algumas destas práticas alternativas podem ser alvo de uma análise de matriz científica, com argumentos razoáveis. Por exemplo, sabe-se que as agulhas usadas na acupuntura podem promover a libertação de endorfinas nas extremidades nervosas, aliviando a dor. Adivinha-se que uma manipulação óssea experiente e com substrato de sólidos conhecimentos anatómicos favoreça algumas operações de reajustamento eficazes e, porventura, mais rápidas que uma mobilização ortopédica clássica. Conhecem-se igualmente os benefícios que podem originar no ser humano determinadas plantas, respectivos extractos e outras substâncias, particularmente em diluições ajustadas.
Colocam-se mais objecções de natureza científica no que concerne às interpretações sistémicas destas medicinas alternativas, particularmente no tocante às tão insistidas “energias” e às relações psicossomáticas entre a doença física x e emoção y. Pode admitir-se, em abstracto, que uma dada doença corporal possa ter sido alavancada por uma qualquer fragilidade emocional e fraqueza psicológica mas o problema está em ter a veleidade de estabelecer relações lineares (fáceis ou facilitistas) entre ambas as coisas. Uma caricatura de toda esta problemática seria uma afirmação do tipo: “se teve tumor de mama, então a relação com Mãe era problemática”. É bem razoável aceitar que condições psicossomáticas de tensão interna e relacional, a somar a tendências genéticas, hábitos alimentares, etc, possam predispor um cenário oncológico. Mas estabelecer com base num improviso empírico essas relações escapa à tradição e à prática da ciência.
O mesmo se diz em relação aos circuitos das chamadas “energias”, que estabelecem relações entre órgãos, sintomas e patologias: até podem existir algumas dessas relações mas o que falta, precisamente, no enquadramento científico, é estabelecer de forma inequívoca e segura as matrizes de causa-efeito.
A questão do tempo de maturação das ideias e das práticas terapêuticas é crucial nesta tensão entre medicinas alternativas e práticas clínicas clássicas: as primeiras, em alguns casos, são mais rápidas mas, na exata proporção, mais arriscadas. A manipulação óssea na osteopatia é um exemplo claro: face a uma patologia ortopédica, por exemplo, a imobilização ou a fisioterapia clássicas são necessariamente mais lentas (e menos eficazes no sentido instantâneo do termo) do que uma manipulação osteopática. Mas o risco desta segunda prática (em graus diferentes, conforme a formação, a solidez e até o sentido ético de quem pratica) é comparativamente maior. Convém dizer, apesar de tudo, que a manipulação ósseo-esquelética pode evidenciar menos risco e mais suporte do que a craniana ou a visceral, embora o fito osteopático resida precisamente na relação do todo corporal. Sublinha-se a variável da responsabilidade ética e verticalidade da formação de cada praticante, sendo justo afirmar que “há osteopatias e osteopatias”…
No que diz respeito à homeopatia (não fosse químico quem escreve…), as técnicas de análise e síntese química atuais, aplicadas à farmacologia e à medicina, são definitivamente mais seguras do que a prática, mesmo que ancestral, das mezinhas mais ou menos caseiras. É claramente mais robusta e firme a ida a uma farmácia do que a aposta em uma qualquer dose homeopática. São moléculas estudadas, interações bioquímicas monitorizadas e validadas e práticas clínicas com ensaios sistemáticos, mais aconselháveis que quaisquer outros estilos terapêuticos que não apresentam a robustez de um suporte científico. A procura homeopática de diluições tendencialmente muito elevadas não reduz totalmente riscos de improviso ou mesmo vestígios de engodo…
Nesta reflexão algo crítica das medicinas alternativas convém ser justo no que diz respeito a um aspeto onde estas práticas clínicas parecem, em muitos cenários, na prática, superar a medicina tradicional. É que, não raras vezes, a atitude face ao doente é aqui mais holística: vê-se o todo da pessoa, incluindo múltiplos equilíbrios, alimentação, estilo de vida, etc. Mais ainda, parece ser dada atenção ao paciente, porventura com mais dedicação e paciência do que na medicina tradicional. Por isto mesmo, há, por esta via, uma concorrência forte à medicina convencional que pode gerar uma atitude autocrítica dos médicos e enfermeiros, das organizações clínicas e da política de saúde: era bom que a medicina convencional fosse suficientemente qualificada do ponto de vista dos respetivos valores éticos e competências relacionais dos seus agentes e com qualidade sistémica para acolher cada doente de forma calma, ponderada, totalizante e, principalmente, humanizada.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.