Quase inevitável começar este texto a falar da série Adolescência, recém-estreada na Netflix, que anda a abrir os olhos, a chocar corações e a fazer cair lágrimas a tantos pais mundo fora. Não consigo desligar a minha análise da génese da fundação da Mirabilis: capacitar pais e educadores sobre o impacto dos ecrãs na saúde e na educação.
A série provoca em nós, pais, um desconforto grande com o confronto: “não conheço o meu filho”, “não sei o que faz”, “quem é o meu filho afinal?”, quando anda naquele mundo “que é só dele”, tão próprio da adolescência que vive. Acresce a isto a tomada de consciência de que, afinal, esse “seu mundo” é um mundo perigoso, que vai para além do imaginável na cabeça de qualquer adulto, que ainda há tão pouco tempo era o porto seguro, o colo, o ídolo daquele filho. Por último, a consciência de que, enquanto pai ou mãe, sou muito impotente neste panorama. É assustador. Bendita série Adolescência que, da forma mais cruel, com um elenco fabuloso e uma produção que faz suster a respiração do princípio ao fim, vem ajudar tantas famílias a repensar a relação dos seus filhos com os ecrãs.
A Mirabilis anda, há cerca de três anos, a falar aos pais e educadores. Quem nos procura já está, de alguma forma, alinhado com a nossa Missão, quer ter ferramentas para lidar com o tema dos ecrãs nas suas casas e comunidades. O nosso público é fácil neste sentido, já vem com o gut feeling de que algo muito poderoso está a mexer com a vida do seu filho, está a pôr em causa a estabilidade da sua família e quer estar mais informado para atuar. São uma minoria. Tantos outros pais, de todos os estratos sociais, vivem desinformados e desinteressados: famílias desfavorecidas que esperam, ao dar um smartphone ou um tablet para as mãos do bebé de um ano, já estar a prepará-lo para o futuro digital, com a grande vantagem de calar uma boa birra e dar horas de sossego; e, diria ainda mais grave, famílias cheias de literacia e galões profissionais, mas sem tempo ou vontade para pensar nas consequências de ter um filho ausente, isolado no seu quarto com o ecrã.
Nas sessões com pais, muitos confirmam o que já desconfiavam: o mundo em que os filhos vivem não é o nosso, a forma como usam os ecrãs (redes sociais e jogos, nomeadamente) não tem nada a ver como nós pais os usamos, e a forma como os ecrãs fazem uso dos nossos filhos não tem nada a ver como faz uso do nosso tempo.
Dão-se conta ainda da forma fácil como conteúdo de teor sexual “cai na sopa” dos filhos, vindo dos amigos (os chamados sextings, mensagens, emojis, fotos ou filmes) e até conteúdos pornográficos lhes entram pelos ecrãs adentro, muitas vezes sem que a procura partisse deles.
Salvo raras e invejáveis exceções, não é característico de um filho pré-adolescente ou adolescente contar o que se passa no “seu mundo” aos pais, muito menos quando o assunto toca a sexualidade ou situações mais desconfortáveis em que estão envolvidos, como por exemplo a violência, os aliciamentos de que são vítimas ou as ofertas irresistíveis feitas nos chats dos jogos, whatsapp ou instagram.
Recomendamos nas nossas sessões muito diálogo e recursos para introduzir estes temas (livros, filmes, documentários, etc). Falar do que se passa online, de violência, discursos de ódio, extremismos, sexualidade, relações amorosas (o que é uma boa relação e o que indicia não ser positiva) e Amor com os nossos filhos é urgente. Mais cedo do que gostaríamos e mais vezes do que nos apeteceria. Tudo isto vive em relação, no tal “mundo deles”. Os temas vindos dos pais são rapidamente substituídos pelos conceitos impostos pelos grupos de amigos na net, ou os youtubers e instagramers que seguem, com conteúdos mais brutais, que os fazem parecer mais cool e sentir que pertencem a um grupo se estão por dentro desta linguagem; nada disto se resolve numa conversa só.
Recomendamos nas nossas sessões muito diálogo e recursos para introduzir estes temas. Falar do que se passa online, de violência, discursos de ódio, extremismos, sexualidade, relações amorosas (o que é uma boa relação e o que indicia não ser positiva) e Amor com os nossos filhos é urgente. Mais cedo do que gostaríamos e mais vezes do que nos apeteceria.
Se nós pais não educarmos os nossos filhos, alguém fará esse papel por nós.
É óbvio que eles têm que pertencer, e é bom que pertençam aos vários grupos, da escola, do desporto que praticam – os adolescentes só querem fazer parte. Mas o que não é tão óbvio para tantos e tantos pais, e é consensual na ciência, é que o que mais contribui para uma boa saúde mental é o vínculo seguro às figuras de proteção (pais, avós, um tio, um cuidador). Este vínculo, que se trabalha de forma mais harmoniosa e carinhosa na infância, é vital manter na adolescência. Teremos certamente que ser criativos e sair da nossa zona de conforto, e, se possível, fazer programas extraordinariamente exigentes fisicamente com eles – como subir uma montanha, fazer um trilho em BTT, nadar uma longa distância… Os nossos adolescentes vão-se dar conta que são capazes de coisas extraordinárias e isso só acontece porque confiam na família.
Não queremos pais-helicóptero, queremos pais conscientes, capacitados sobre estas matérias, para manter um vínculo e fazer perdurar o Amor na família.
A adolescência é uma maravilha e só há uma.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.