O mais recente filme de Wim Wenders, Papa Francisco: um homem de palavra é muito precioso no contexto da atual indústria cinematográfica. Não é todos os dias que um dos mais conceituados realizadores contemporâneos aceita dirigir uma co-produção com o Vaticano a fim de realizar um filme cujo protagonista principal é o Sumo Pontífice. Além disso, o prestigiado festival de Cannes apresentou, pela primeira vez na sua história, um documentário sobre o atual Papa.
Várias são as produtoras que participaram neste filme. Por um lado, encontram-se as mais ligadas à Igreja, como a Célestes Images e o Centro Televisivo Vaticano, às quais se juntam, por outro, companhias desprovidas de selo eclesiástico, tais como Solares Fondazione delle Arti, PTS Art’s Factory, Neue Road Movies, Fondazione Solares Suisse e Decia Films. Ao reunir produtoras do mundo dito secular com companhias dotadas de uma etiqueta religiosa oficial, esta obra cinematográfica apresenta-se como um fruto da capacidade para dialogar, tanto da parte da Igreja como da sociedade em geral. Parece-me que este encontro da Igreja com o mundo é também o reflexo da curiosidade que a pessoa do Papa Francisco tanto tem suscitado entre nós.
Talvez tenha sido essa a ambição que motivou monsenhor Dario Edoardo Viganò, à altura Perfeito para a Comunicação da Santa Sé, a desafiar Wim Wenders à realização deste filme: suscitar a ocasião para um diálogo entre o Papa, qual representante da Igreja, e o mundo envolvente. Diante deste convite, diz o cineasta alemão ter sentido “uma grande responsabilidade”. E ao aceitar o desafio, aquele, que hoje preside à Academia de Cinema Europeu, acabou por reconhecer ter um enorme fascínio pela figura do Papa Francisco.
Não posso deixar de lamentar o facto do filme não ter chegado às salas de cinema do nosso país, não sei se por motivos estritamente comerciais ou também ideológicos. É a abertura para o encontro e para o diálogo hoje tão necessários que ficam a perder.
Segundo Wenders, o resultado desta produção acabou por ser, não propriamente um filme sobre o Papa, mas sobretudo um filme com Francisco: um encontro, portanto. Presenciar as quatro longas entrevistas que o Papa lhe concedeu, mais do que um relato biográfico do Pontífice, proporciona-nos um encontro com a pessoa que ele é. Até mesmo o modo de filmar, focado nas expressões faciais de Francisco, permite ver um Papa próximo das pessoas a quem se dirige, pessoas oriundas dos mais diversos contextos sociais. Os planos médios e frontais de um comunicador informal e espontâneo como Francisco quase que possibilitam a experiência de encontrá-lo ali mesmo.
Desse modo, mais do que escutar o ensinamento oficial da Igreja, pronunciado com a autoridade magistral de quem ocupa a Cátedra de Pedro, o filme mostra-nos um homem simples e autêntico; um cristão verdadeiramente preocupado com os problemas do mundo contemporâneo: a construção de uma maior justiça social num mundo pautado por desigualdades crescentes, as crises ambientais e ecológicas, os múltiplos fenómenos de imigração… Consciente da sua responsabilidade e da missão que Deus lhe confia no sentido de cooperar na construção da paz, o Papa Francisco mostra-se, dessa forma, perfeitamente inserido e implicado no mundo que o rodeia.
Numa entrevista concedida ao Vatican News, Wim Wenders afirmou que o Papa, após as “longas sessões de entrevistas, cumprimentava todos”, desde o realizador até aos assistentes, sem fazer distinção de pessoas. Creio que podemos pressentir essa atitude no filme, a atitude de alguém que se dirige a todos com a mesma franqueza, com a mesma verdade, sejam eles refugiados, presos, crianças, políticos ou cientistas. Esse modo de estar corrobora o anseio de Francisco na construção de um mundo em maior conformidade com os critérios evangélicos. Nas palavras de Wim Wenders: “um homem que não age por si mesmo, mas pelo bem comum.”
O filme mostra-nos um homem simples e autêntico; um cristão verdadeiramente preocupado com os problemas do mundo contemporâneo.
Os discursos do Papa que apelam à construção da paz, ao acolhimento dos refugiados e ao respeito pela nossa “casa comum” correspondem aos gestos que caracterizam o seu modo de estar; não só os gestos mais mediáticos (como o de lavar os pés a uma mulher muçulmana na celebração da liturgia de quinta-feira santa), mas também os gestos mais simples, como as suas expressões faciais, por vezes de criança, de quem se deixa emocionar pelo contato com o próximo e de se interpelar pelas suas questões.
Creio que é, sobretudo, por isso que a figura do Papa suscita confiança. Como diz Wim Wenders: “ele representa um homem em cuja palavra se pode confiar.” Essa confiança brota em grande parte do facto de Francisco se apresentar de uma forma transparente, dando-nos a pressentir a humanidade da sua pessoa; a simplicidade de alguém que sente como todos nós.
Pelas suas respostas, pelas suas reações, vamos sentindo ao longo do filme estar diante de alguém reconciliado consigo mesmo. Ao vê-lo e ao escutá-lo, temos a sensação de estar diante de alguém que é capaz de viver e de transmitir uma profunda alegria. Não esqueçamos, a este propósito, que o tema da alegria não é menos sublinhado do que o tema da misericórdia nos documentos relativos ao magistério do Papa Francisco. Basta ter em conta o título das suas três exortações apostólicas: Evangelii Gaudium (2013) – ‘A Alegria do Evangelho’, Amoris laetitia (2016) – ‘A Alegria do Amor’ e Gaudete et exsultate (2018) – ‘Alegrai-vos e exultai’.
Resultado de longas sessões de conversa com o Sumo Pontífice, o filme de Wenders mostra-nos a autenticidade da fé de Francisco. É a partir dessa autenticidade que se comunica uma fé que é capaz de nos realizar enquanto pessoas e de nos dar esperança na salvação do mundo. Estou convencido de que só essa autenticidade poderá interpelar os homens e as mulheres de hoje a aproximarem-se do Evangelho.
Não posso deixar de lamentar o facto do filme não ter chegado às salas de cinema do nosso país, não sei se por motivos estritamente comerciais ou também ideológicos. É a abertura para o encontro e para o diálogo hoje tão necessários que ficam a perder.
Para aprofundar:
Notícia no Vatican News – “O Papa Francisco é um homem de coragem impacável.” (Wim Wenders)
Artigo no Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
Créditos foto capa: 063-PFAMOHW-Wenders
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.