Mãe, eu não quero morrer!

Para mim, que tenho uma necessidade de compreender e racionalizar a realidade que me envolve, imaginar um futuro sem tempo, sem espaço, sem fim e sem forma é mesmo uma prova de fé e de entrega e de amor.

Fez ontem um mês da partida do Padre José Maria Brito sj, ou Zé Maria para muitos. Uma morte tão cedo, tão rápido, tão súbita e que deixará muitas saudades a muitos, faz-nos estacar e parar para pensar neste momento em que parte um amigo, um irmão, para onde todos ansiamos chegar – aos braços do Pai.

Nas últimas semanas temos estado a rezar em CVX (para quem não sabe o que é, ler nota de rodapé) a morte e ressurreição de Jesus Cristo, sob várias perspetivas e de vários ângulos. Rezámos a nossa permanência na morte de Jesus na cruz. Imaginámos a alegria da Sua ressurreição e do momento de reencontro com a sua Mãe. Contemplámos como seria recebermos também nós esse abraço apertado, inteiro, envolvente, absoluto. No momento da notícia da partida do Zé Maria, imaginei-o alegre, à gargalhada, ao mesmo tempo que muito comovido, abraçado por Nossa Senhora, Jesus, Deus e uma imensa Luz (o Espírito Santo). Como um filho que regressa a casa com muita alegria e saudade dos seus. Uma festa!

A fé cristã é isto. Na pior evidência da vida, que é a morte, abraçarmos o sofrimento e vermos nele um caminho para o Pai. Acreditarmos, com o coração e com a alma, que esta dor de ver alguém partir tem muito mais do que o que conseguimos conceber com a nossa (in)capacidade intelectual. E é tão difícil! Para mim, que tenho uma necessidade de compreender e racionalizar a realidade que me envolve, imaginar um futuro sem tempo, sem espaço, sem fim e sem forma é mesmo uma prova de fé e de entrega e de amor. É um caminho que vou tendo de fazer a caminhar e pedir que Jesus me dê a mão.

A fé cristã é isto. Na pior evidência da vida, que é a morte, abraçarmos o sofrimento e vermos nele um caminho para o Pai.

O meu filho mais velho infelizmente sai à mãe. Com pouco mais de 6 anos chamou-me durante a noite a chorar, muito aflito: “Mãe, eu não quero morrer!”. O meu coração congelou. Quis chorar com ele, não pela aflição mas porque lhe queria tirar o medo e não sabia como. Tentei acalmá-lo, ir percebendo o que o angustiava e tentando dar respostas sobre porque não podemos ficar todos juntos aqui em casa, ou para onde íamos quando morrêssemos, ou como é que ia para o céu (“lá para cima, se eu não sei voar?”) e se ia deixá-lo sozinho quando morresse.

Está estudado que é entre os 5 e os 9 anos que as crianças percebem que a morte é irreversível e que isso lhes causa angústia. Entre os 3 e os 5 anos relacionam a morte a um momento de grande tristeza, «pois é esta emoção que lhes é transmitida pelos adultos», mas ainda a consideram reversível, como se fosse apenas uma forma de dormir. Ou seja, tem tudo a ver com maturidade intelectual e muito a ver com o que os nossos pais e as pessoas que nos são próximas nos transmitem e a forma como lidamos e como falamos deste assunto.

Excluamos desta reflexão as crianças que vivem na pele uma perda próxima ou um luto na família que as marca, com dor por uma perda que de alguma forma não consegue ser explicada (será que alguma se consegue explicar realmente?). De que forma podemos incutir serenidade e confiança aos nossos filhos sobre a morte? Como lhes podemos explicar com alegria e esperança a ressurreição? Como fazer com que compreendam o sofrimento e a tristeza entrelaçados à maior certeza que a morte de Cristo nos trouxe?

Acredito que a melhor forma de educarmos os nossos filhos é sendo o que queremos que eles venham a ser um dia. Se queremos que digam a verdade, não mentindo; se queremos que sejam empáticos, olhando os outros profundamente; se queremos que sejam educados, tratando os que nos rodeiam com cuidado. E se queremos que tenham fé, entregando o nosso coração a Deus e tendo a certeza e confiança n’Ele e no imenso amor que o fez entregar-nos o Seu Filho.

A oração traz serenidade e, com ela, a confiança.

 

Nota: Faço parte de uma CVX incrível, os Salvo Seja. Tem sido um caminho de grande descoberta e comunhão espiritual, com um grupo particularmente bonito e comprometido. Para quem não conhece e tem curiosidade em saber o que é a CVX, veja aqui todas as informações.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.