Temos assistido a um incrível crescimento do peso de Estado na vida das pessoas e das famílias, traduzido, factualmente, pela maior carga fiscal de sempre (40% do PIB em 2021), deixando as pessoas à míngua dos seus próprios recursos para fazerem o bem.
A questão do peso do Estado acaba sempre por envolver muitas mais variáveis do que uma resposta social às situações de carência. João Paulo II, na sua sabedoria, alertou para os perigos de um crescimento desmesurado do Estado (Centesimus Annus, 48) que, ao intervir diretamente, “irresponsabiliza a sociedade” e “provoca a perda de energias humanas”, dominado “mais por lógicas burocráticas do que pela preocupação de servir os usuários com um acréscimo enorme das despesas”.
No mesmo documento, o Santo Padre estabelece ainda um norteador para a vida em comunidade, afirmando que “quem está mais próximo conhece melhor a necessidade e é mais capaz de satisfazê-la”. Aqui se traduz a posição tradicional da Igreja Católica em relação à sociedade e ao Estado, segundo a qual “uma sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade de ordem inferior, privando-a das suas competências.” Para um cristão, onde quer que se encontre, o apelo é sempre o da proximidade, seja muito ou pouco o que leva no bolso. Porque, se é certo que ter confere poder, é ainda mais certo que basta ser para se poder dar. Reduzir a pessoa à dimensão material tem sido, aliás, um dos corolários da sociedade de bem-estar que, como temos visto, não tem tido sucesso em criar felicidade.
Reduzir a pessoa à dimensão material tem sido, aliás, um dos corolários da sociedade de bem-estar que, como temos visto, não tem tido sucesso em criar felicidade.
Porque todos sabemos intimamente que a felicidade não se encontra no prazer por oposição à dor (como creem os utilitaristas), mas num coração apaixonado, que se dá na medida do amor que leva dentro, percebendo a cada dia o quanto ele ainda pode crescer. Ou, nas palavras conciliares, “a pessoa humana só pode realizar-se plenamente pelo dom sincero de si mesma” (Gaudium et Spes, 24).
O eixo não é a própria pessoa, mas o outro, ou muitos outros, em quem percebe uma dimensão que supera o tempo e qualquer circunstância, sendo totalmente merecedor do dom. Só porque se ama e nada mais.
Os modelos de Estado que prometem o paraíso na Terra são todos um engodo, apropriando-se das pessoas e dos seus destinos por uma pretensa ideia de bem ou fazendo-as crer que o segredo está em seguirem as suas preferências, conduzindo-as à espiral funda e depressiva do individualismo.
Os modelos de Estado que prometem o paraíso na Terra são todos um engodo, apropriando-se das pessoas e dos seus destinos por uma pretensa ideia de bem ou fazendo-as crer que o segredo está em seguirem as suas preferências, conduzindo-as à espiral funda e depressiva do individualismo.
Podemos ir na onda e acreditar que algum iluminado há de resolver o problema das inúmeras penúrias que nos rodeiam: solidão, aflições, desenraizamento, falta de teto ou de pão. Ou podemos descansar no alheamento confortável de que tudo será tratado por um Estado Todo-Poderoso que, aliás, tem essa obrigação por já levar demasiado de nós.
Mas a vida funciona ao contrário: se não formos próximos deixaremos que se criem buracos que terão de ser preenchidos. Quantos mais buracos preenchermos, pelo contrário, mais liberdade teremos para nós: a liberdade de vermos, ajuizarmos e agirmos por nós mesmos, dando a mão, transformando e deixando-nos transformar pelas vidas à nossa volta, em permutas únicas e insubstituíveis. Além disso, para um cristão, esta não é sequer uma entre muitas escolhas. Este é o único caminho possível, onde quer que nos encontremos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.