Toda a gente já se deu conta de que os jornais e outros meios de comunicação social atravessam uma crise séria. Não é, longe disso, uma crise portuguesa – ela afeta o jornalismo em todo o mundo.
Entre a última década do século XX e o presente no Reino Unido as vendas de jornais diminuíram para apenas um quinto do que eram. Nos Estados Unidos nos últimos vinte anos mais de um em cada cinco jornais fecharam.
Não me refiro aos regimes autoritários que cerceiam as liberdades, incluindo a liberdade de informar. Nem às sociedades onde impera a violência e nas quais muitos jornalistas são tragicamente mortos; por exemplo, só no mês de janeiro passado no México foram assassinados quatro jornalistas. A crise do jornalismo que aqui abordo é a que cresce nas democracias liberais.
Nessas democracias, como é felizmente a portuguesa, o jornalismo goza de uma certa liberdade; e a existência de jornalismo livre é aí considerada como um fator indispensável a uma vivência coletiva democrática. Apesar disso, a crise existe e ainda não sabemos até onde ela levará.
Menos jornais em papel
Os jornais em papel tendem a desaparecer; por vezes surgem novos jornais, mas na maioria dos casos não impressos. O problema desses jornais eletrónicos está nas fracas receitas de publicidade que conseguem obter e que não se aproximam das receitas publicitárias dos jornais em papel de há uns vinte ou trinta anos atrás.
Os canais de televisão abertos, que em parte das suas emissões produzem noticiários, entrevistas e demais matéria informativa, apenas conseguem equilibrar as contas com programas que nada têm a ver com informação. Programas que, por vezes, alcançam audiências significativas à custa de um sensacionalismo extremo e da ausência de escrúpulos. Recorde-se, como exemplo, o Big Brother.
O jornalismo de investigação limitado
Nos órgãos de informação que conseguem sobreviver são cada vez menos os meios humanos e financeiros. O que desde logo limita cartas tarefas jornalísticas nobres, como é o caso das reportagens e do jornalismo de investigação. Ou leva a reduzir o número de correspondentes no estrangeiro, prejudicando a capacidade para acompanhar a política internacional.
Em 1974 dois jovens repórteres do “Washington Post”, Bob Woodward e Carl Bernstein, afastaram-se da redação do jornal e foram secretamente investigar o escândalo do Watergate, que culminaria com o afastamento do Presidente Nixon. Para isso a direção do jornal alojou-os num andar, onde trabalharam em segredo durante meses, com o apoio de algumas secretárias.
Creio que hoje o “Washington Post” não seria capaz de repetir a proeza, por motivos financeiros. Este é, porém, um caso extremo. O que acontece na quase totalidade dos meios de comunicação social é haver agora pouco dinheiro para financiar tarefas caras, como são certas reportagens e sobretudo o jornalismo de investigação. Tarefas que, além de dinheiro, exigem tempo, algo que hoje desapareceu das redações.
Num grande jornal diário, há trinta ou quarenta anos, tudo se concentrava na edição do dia seguinte. Havia tempo para pensar com alguma calma nos problemas que essa edição suscitava, desde logo a escolha da capa e da manchete do jornal.
Hoje, porém, todos os “media” trabalham 24 horas por dia para o seu “site” noticioso. Inicialmente esse “site” era de acesso livre. Depois, na maior parte dos casos, para ler os textos na íntegra é necessário ser assinante. É a única maneira de estes meios conseguirem obter alguma receita.
Televisões, semanários, diários, rádios, etc. todos alimentam um “site” eletrónico que é suposto transmitir notícias e comentários.
Ali surgem notícias de última hora, que cada um procura ser o primeiro a divulgar publicamente. Ora essa pressão de dar a notícia quanto antes, 24 horas por dia, nem sempre permite uma análise rigorosa sobre a respetiva veracidade.
As redes sociais como fonte de informação
O mais poderoso concorrente do jornalismo encontra-se, porém, nas redes sociais. Consta que a maioria das pessoas utiliza essas redes como fonte quase única de informação.
Ora essa informação pouco ou nada tem a ver com jornalismo. Em muitos casos as notícias e os comentários oferecidos por essas redes são anónimos ou usam pseudónimos falsos; não raras vezes são insultuosos, além de não terem qualquer preocupação de verificarem a veracidade daquilo que afirmam.
Além disso, é com impunidade que nessas redes se fazem acusações gravíssimas, que, se aparecessem nas “media” que praticam o jornalismo, levariam os visados a recorrerem à justiça. É a lei da selva.
Uma tarefa jornalística que cresceu com a vaga de notícias falsas, fake news, difundidas nas redes sociais, é o controle da veracidade. O caso do “Polígrafo” é entre nós talvez o mais conhecido. Mas é evidente que a investigação jornalística sobre notícias de veracidade duvidosa apenas poderá abranger uma pequena percentagem das fake news que diariamente são lançadas pelas redes sociais.
Mas, então, como se explica que muitas pessoas tenham a sua principal fonte de informação nessas redes, que não se pautam por exigências deontológicas? A explicação é simples: as pessoas querem ouvir aquilo com que à partida concordam, sem se preocuparem com mais nada. Sobretudo, não se preocupam com a verdade.
O resultado é dramático, pois impede qualquer debate público sério. Veja-se o que se passa nos Estados Unidos. A maioria dos americanos que votam no Partido Republicano acredita que a eleição presidencial de 2020 foi “roubada”. Essa mentira foi posta a correr por Trump, que hoje domina o partido que foi o de A. Lincoln, e se prepara para regressar à Casa Branca.
No muito dividido Partido Democrático as várias fações – progressistas, moderados, etc. – acantonam-se nas redes sociais mais ao gosto de cada um. O debate político cada vez mais se resume a uma troca de insultos.
O jornalista, agregador de notícias
Um dos motivos pelos quais tenho defendido que o jornalismo é necessário a uma sociedade saudável está no papel que o jornalista desempenha enquanto agregador das notícias que transmite. Terá forçosamente de haver aí uma seleção, pois não se pode transmitir tudo. Nem o consumidor de informação tem capacidade para absorver tudo o que, mal ou bem, é noticiado. Daí a necessidade de uma seleção.
Naturalmente que uma seleção implica critérios com uma forte dose de subjetividade. Mas o jornalista está treinado, ou deveria estar, para seguir um certo número de regras que limitem a sua valoração subjetiva.
Nada disto existe nas redes sociais.
Por outro lado, o jornalista não deve limitar-se a dar uma notícia. Não se trata tanto de comentar a notícia, mas de ter de a explicar e de a enquadrar, para que se torne percetível o seu alcance a quem a lê ou ouve.
Claro que existe jornalismo sensacionalista, que até vende mais do que o chamado jornalismo de referência. No Reino Unido, por exemplo, os jornais sensacionalistas tradicionalmente vendem muito mais do que os que praticam um jornalismo sério e que são mundialmente reputados. Mas é importante que esse jornalismo sério não desapareça.
No fundo, tudo depende de haver procura para o jornalismo responsável. As redes sociais reduziram essa procura. No limite, o jornalismo sério poderá desaparecer. Como velho jornalista, a mim preocupa-me tal perspetiva. Mas será que ela preocupa um número significativo de consumidores de informação?
Fotografia de Thomas Charters – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.