James Macmillan, Fátima e o Espírito Santo

James MacMillan, compositor escocês, testemunha um catolicismo que se exprime e se encarna nas linguagens próprias de um mundo moderno.

James MacMillan, talvez o mais reputado compositor escocês da atualidade, apresentou o seu último álbum em abril de 2020. Depois de terem executado o seu Stabat mater de 2016 na Capela Sistina, a Britten Sinfonia interpreta, com o coro The Sixteen, mais duas obras de MacMillan, sob a direção do reputado Harry Christophers. Trata-se da sua última Sinfonia, a quinta, cujo subtítulo, em francês, é Le grand Inconnu, e de uma composição intitulada The Sun Danced. Enquanto a Sinfonia se inspira na Pessoa que é o Espírito Santo, The Sun Danced constitui uma obra que o compositor já exibira em 2017 para as comemorações do centenário de Fátima. Apesar de não se tratar de música litúrgica, o sagrado faz-se indubitavelmente presente.

Começando por The Sun Danced, a aparição da Virgem bela, “mais brilhante que o sol”, bem como do milagre deste astro a dançar, comemora-se através da força da música. Nada melhor do que arte que faz ecoar ‘sons imateriais’ para nos introduzir na experiência do milagre, do sagrado. Numa fusão de estilos diferentes, através de uma linguagem musical moderna, diz-se “vanguardista” (que talvez seja difícil para muitos ouvintes), MacMillan cria uma harmonia entre as vozes e a orquestra apesar de cada instrumento ou solista permanecer de certa forma independente. Tudo isso contribui para a riqueza da obra onde se canta um texto que alterna entre três línguas distintas: latim, português e inglês. O “anjo da paz” canta aos pastorinhos “Orai comigo” preparando, assim, o hino à Santissima Trinitatis e à mensagem que a Virgem nos deixa. Até ao sol que dança, percorremos um caminho que atravessa sons não redutíveis a meras notas musicais e podemos sentir como o silêncio também tem lugar na música.

Quanto à Sinfonia nº 5, Le grand Inconnu, trata-se de uma produção bem ao jeito de MacMillan, numa livre polifonia, cuja orquestração exprime uma tensão entre a força dos metais e o movimento dos restantes sopros com uma maior discrição das cordas, por vezes acompanhadas das vozes. A Sinfonia contém três andamentos, cada um dos quais se consagra a uma palavra biblicamente associada à terceira Pessoa da Trindade. O primeiro andamento expressa ruah, termo hebraico que significa “vento”, “sopro” ou “respiração”.

Os primeiros sons da Sinfonia, como MacMillan o assume explicitamente, inspiram-se em três palavras relativamente sinónimas entre si: o ruah hebraico, o pneuma grego e o spiritus latino; termos que não dizem apenas respeito ao Espírito de Deus, mas à música em geral e ao ato de a executar. Através de uma orquestração que explora inúmeras possibilidades de sons variados, timbres distintos, ritmos contrastantes, sem nunca esquecer a voz humana, somos introduzidos ao mistério do Espírito Santo, qual “sopro” de Deus. No segundo andamento, canta-se zao, termo extraído do grego antigo para significar “água viva.” E no terceiro andamento, surge, por fim, o sintagma latino igne vel igne como referência ao fogo de pentecostes. Ao acompanhar e expressar poemas do místico santo João da Cruz, MacMillan contempla, desse modo, o mistério do Espírito Santo.

Claro que ele não é uma exceção no mundo da música e das artes contemporâneas no que à produção de obras de temática religiosa diz respeito. Contudo, o seu contributo é relevante, na medida em que testemunha um catolicismo que se exprime e se encarna nas linguagens próprias de um mundo moderno.

Admiro James MacMillan não só pelo sucesso da sua carreira de compositor, nem apenas pelo facto de assumir a sua fé cristã e expressá-la publicamente na sua obra. Admiro, sobretudo, a sua enorme sensibilidade para com o sagrado; sensibilidade que ele revela enquanto pessoa enraizada na cultura dos nossos tempos. Claro que ele não é uma exceção no mundo da música e das artes contemporâneas no que à produção de obras de temática religiosa diz respeito. Contudo, o seu contributo é relevante, na medida em que testemunha um catolicismo que se exprime e se encarna nas linguagens próprias de um mundo moderno.

Além disso, o facto do catolicismo ser central na sua vida, e de ele o professar publicamente, não se verifica apenas na sua produção artística e na sua sensibilidade musical para com o sagrado. As suas convicções religiosas também estão profundamente ligadas às suas posições políticas, que ele tenta expressar com a moderação que contrasta com os excessos e radicalismos de uma sociedade cada vez mais polarizada e dividida. Tendo sido assumidamente militante comunista em juventude, como muitos da sua geração, e ter agora abandonado essa ideologia que considera nefasta, MacMillan, talvez movido pela sua fé, mantém-se sensível às questões sociais. E se ele tende a posicionar-se mais à esquerda do espectro político, consegue permanecer livre em relação às ideologias em voga e ao seu discurso “politicamente correto” – não só no que às questões morais diz respeito, mas também quando, a título de exemplo, é capaz de discordar da independência da Escócia.

E, assim, num plano mais humano, mostra-se capaz de dialogar, admirar e até ser amigo de conservadores como o recém-falecido Roger Scruton ou George Weigel. Esta maneira de ser, que lhe permite expressar, defender e lutar por convicções fortes, ao mesmo tempo que alimenta laços com outras pessoas com quem coabita este mundo, talvez seja mais um fruto da fé que ele professa. Certo é que esse modo de vida contribui para fazer das nossas sociedades um lugar com mais esperança na paz e na harmonia que ainda podemos experimentar, não apenas na experiência estética das artes, mas na nossa vida em geral.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.