Se para a minha Mulher, com a barriga a crescer, o corpo a alterar, os humores a mudarem, entre demais sinais, é obvio que vêm aí as pessoas que mudarão a nossa vida para sempre, a mim, por enquanto, apenas me toca uma idealização totalmente teórica disso.
As nossas escadas custam-me exatamente o mesmo a subir, o sushi continua a saber ao mesmo, uma refeição continua a saber melhor quando acompanhada de um copo de vinho… Enfim, à parte os parabéns e votos de boa sorte para no futuro subir três andares de escadas íngremes com gémeas nos braços, até agora a paternidade tem sido muitíssimo semelhante ao que foram os últimos 28 anos.
Na verdade, comecei a escrever estas linhas para ver se, ao deixá-las escritas, a frase: “Vou ser pai” ganha uma dimensão que faça jus à realidade.
Ficando completamente na mesma – e conformado com a sina que afeta 98% dos pais, de apenas se darem conta da realidade no momento em que se veem com um ser desconhecido nos braços – resta-me então isso mesmo: uma idealização completamente teórica da paternidade.
E as idealizações dão sempre lugar às preocupações.
Primeiro as preocupações leves e mais superficiais (e quiçá egoístas) que surgem quando estamos no trânsito:
– Será que vou conseguir que os meus filhos se mantenham fiéis ao Belenenses perante as investidas de todos os colegas na escola?
– Será que vão gostar tanto de banda desenhada como eu?
– Chegará a caçadeira para proteger as minhas filhas até aos 30 anos?
Depois aquelas de nível intermédio, que surgem ao deitar e que adiam o adormecer mais uns bons minutos:
– Será que vamos conseguir comprar uma casa que acompanhe as necessidades da nossa família?
– E se precisarmos de trocar de carro?
– E se eu um dia for despedido?
– E se algum de nós tiver uma doença? Ou alguma delas?
E depois há aquelas, talvez mais decisivas, fundamentais e essenciais, que surgem ao rezar, ao conversarmos os dois ou, na verdade, em qualquer uma das alturas anteriores:
– E se as nossas filhas não quiserem ser amigas de Jesus?
– E se viverem desanimadas? Sem fé, sem esperança?
– E se não forem conciliadoras, pacificadoras?
– E se não virem na Igreja a sua casa, a sua Mãe?
Todas estas perguntas são exatamente aquilo que são: pré – ocupações. Coisas que me entretêm de alguma forma, mecanismos que o meu cérebro arranja para me ir preparando para o que virá daqui a uns meses e que é, inequivocamente, a maior missão das nossas vidas.
Se há umas que, de facto, não merecem muita atenção, parece-me que o último bloco deve ser precisamente o pilar central de todo o nosso sistema educativo familiar, à volta do qual giram as principais decisões.
Mas tudo o que é obsessivo, claro, não é de Deus. Tudo o que não confia e quer obrigar e controlar não é de Deus. Portanto parece-me importante não cair numa preocupação que nos feche sobre nós mesmos, que queira proteger a todo o custo as nossas filhas daquilo que achamos que não é de Deus e que queira impor ou forçar uma certa forma de estar e de ser.
Mas tudo o que é obsessivo, claro, não é de Deus. Tudo o que não confia e quer obrigar e controlar não é de Deus. Portanto parece-me importante não cair numa preocupação que nos feche sobre nós mesmos, que queira proteger a todo o custo as nossas filhas daquilo que achamos que não é de Deus e que queira impor ou forçar uma certa forma de estar e de ser.
Deus não o faz connosco, porque haveríamos de o fazer com a nossa família? Talvez seja melhor fazermos como Deus. Tanto comigo, como com a minha Mulher a coisa funcionou por atração. Foram-nos dados na família exemplos de vidas entregues, apaixonadas por Jesus. E depois as famílias proporcionaram-nos espaços e encontros com ainda mais exemplos disso. E funcionou. Ou pelo menos vai funcionando. Com os nossos altos e baixos, claro.
E talvez seja essa a resposta para estas pré-ocupações. Viver apaixonadamente e confiar que isso atrai.
A conclusão é tudo menos fácil de concretizar, porque sei bem o caminho que tenho a fazer. Mas dentro desta idealização completamente teórica da paternidade já é bom partir para esta aventura com uma resposta.
Como o Pe. Pedro Arrupe escreveu: Apaixona-te, permanece no amor e tudo ficará decidido.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.