Hoje vou falar de avaliação.
Todos os dias utilizamos processos de aprendizagem em que integramos a avaliação. O pensamento que nos permite enfrentar um qualquer problema utiliza inevitavelmente momentos de aprendizagem e de avaliação dessa aprendizagem.
Se quero experimentar uma receita, usar uma nova tecnologia, construir um artefacto, o primeiro passo é identificar o conhecimento prévio, o que já sei, ou porque já experimentei algo parecido ou porque teoricamente já reuni dados num qualquer momento anterior. Esse conhecimento prévio pode constituir-se como sólido – eu sei que é assim – ou apresentar alguma insegurança – eu penso que é assim – e precisar de ser confirmado antes ou durante a realização da tarefa.
O segundo passo é identificar o que mais precisamos de saber para iniciar ou continuar a tarefa e que recursos utilizar para o conseguir: a pesquisa numa publicação sobre o tema, o conselho de um especialista, alguém que sabe e que nos pode ensinar. É já usual utilizarmos o telemóvel ou o computador para acedermos a qualquer motor de pesquisa e encontrarmos a informação que precisamos, podendo mesmo seguir tutoriais. A informação assim obtida tem de ser contextualizada de acordo com a tarefa que pretendemos realizar, o que implica processos de interpretação, reorientação e reconstrução do conhecimento, ou seja, aprendizagem. A avaliação acompanha cada momento deste processo, assegurando que o conhecimento a que se acede é relevante para a realização da tarefa.
O último passo, que corresponde também ao último momento de avaliação, é quando a tarefa está terminada e podemos assegurar a qualidade da sua realização, ou seja, quando se confronta o resultado com a expectativa criada no início. Só conseguimos compreender se a aprendizagem foi efetiva quando analisamos a qualidade do resultado da tarefa e consideramos que ela corresponde ao previsto. Quantas vezes essa qualidade não resulta de tentativas sucessivas de melhoria? Temos tantos exemplos: aprender a andar de bicicleta, desenhar as primeiras letras da nossa vida, conseguir um determinado ponto de açúcar, criar um texto sobre avaliação, …
Os passos atrás referidos identificam três questões essenciais que articulam aprendizagem e avaliação:
– O que já sei? – define o ponto de partida do processo e é diferente de pessoa para pessoa, já que a aprendizagem é individual e se relaciona intrinsecamente com muitos fatores, nomeadamente o desenvolvimento cognitivo, o interesse e a experiência. No entanto, a identificação da aprendizagem prévia feita de forma partilhada, em equipa, é muito enriquecedora, trazendo para o diálogo aprendizagens já realizadas mas não mobilizadas.
– O que preciso de saber? – como depende do ponto de partida é também um processo individual, próprio de cada um, embora, mais uma vez, seja facilitado por processos de aprendizagem colaborativa. Neste passo, é clara a manifestação das capacidades de cada pessoa, quer em definir com clareza o que é preciso aprender, quer em encontrar os recursos e os procedimentos para aceder à informação e para a adequar ao que quer realizar. O sucesso deste processo depende do exercício constante de um pensamento reflexivo que questiona a relevância da informação e das formas de a configurar, face aos resultados pretendidos.
– Qual o resultado da aprendizagem? – neste passo identifica-se a qualidade do resultado da tarefa face às aprendizagens realizadas. É um passo complexo, já que a qualidade tem de ser definida previamente para que possa ser a luz que acompanha todo o processo. Nem sempre o resultado corresponde ao idealizado o que exige a reorientação do planeado, um voltar atrás ou a escolha de outro caminho. Aqui, consegue-se compreender se as aprendizagens foram realizadas, se precisam de ser aprofundadas.
A avaliação está presente no primeiro passo, quando se identificam as aprendizagens prévias, no segundo passo, quando se procura a relevância e a adequação de novo conhecimento e no terceiro passo, quando se confirma a qualidade dos resultados.
Acredito que aprender a avaliar é uma dimensão essencial da função da escola. O professor, enquanto avaliador das aprendizagens dos seus alunos, tem de os envolver nos processos de avaliação, tem de lhes mostrar (e experimentar com eles) os procedimentos cognitivos que lhes permitem o questionamento sistemático sobre o que se tem e o que se quer, ajudá-los a compreender os conceitos de qualidade inerentes a cada tarefa escolar, a definir critérios e indicadores gerais e individuais e a construir planos de trabalho que lhes permitam, passo a passo, fazer o seu caminho na aprendizagem.
A avaliação é, assim, um processo que permite ao aluno refletir sobre o que tem de saber, o que realmente sabe e o que pode fazer para aprender mais e melhor. O professor acompanha o aluno enquanto aprende, sugerindo, lembrando, esclarecendo, apoiando e compreendendo o efeito do seu ensino, identificando, com cada um dos alunos, a aprendizagem realizada e o seu valor.
A tarefa de definir o olhar avaliativo que permite compreender a qualidade do trabalho é transversal às disciplinas do currículo.
Na prática, nas aulas, há muitos momentos em que inúmeras questões-chave são colocadas. O que é necessário aprender na aula de hoje? O que precisam de mostrar que aprenderam ao realizar a tarefa? O que precisam de saber para resolver este exercício? O que tem de ser feito para mostrar que se aprendeu? Quando a tarefa estiver concluída como sabemos que ela foi bem realizada? Como vamos avaliar o processo? E o resultado? O que falhou? Se no início é o professor a colocar as questões, muito rapidamente têm de ser os alunos a fazê-lo e a encontrar as respostas, mesmo que se mantenha a mediação do docente para tornar cada vez mais complexo o processo avaliativo.
Um exemplo desta perspetiva de aprendizagem pode encontrar-se quando propus aos alunos um trabalho de pesquisa sobre “Matemática e Arte”, como contribuição para o projeto que a turma decidiu desenvolver com o núcleo globalizador “Arte transformadora do Mundo”. Começamos por definir três dimensões para a realização do trabalho: a pesquisa de informação, o conhecimento construído a partir da pesquisa e a apresentação desse conhecimento aos outros.
Na primeira dimensão, a pesquisa de informação, os alunos optaram por utilizar como suporte a internet, os livros da biblioteca e os manuais. Surgiu assim a pergunta essencial: como é que vocês vão mostrar que são capazes de fazer uma pesquisa adequada, quer através da internet, quer através de bibliografia? A sugestão foi que o professor os acompanharia na pesquisa e logo concluía da qualidade do processo. Mas contrapus considerando que apesar do professor acompanhar o trabalho de cada grupo, não lhe era possível estar sempre junto de todos e não poderia assegurar que os dados avaliativos recolhidos seriam suficientes para fundamentar a eficácia da pesquisa. Responderam logo que fariam a autoavaliação do processo e que assim já se poderiam triangular as informações.
Dei-lhes razão. Que era necessária a auto e a heteroavaliação, até para identificarem dentro de cada grupo, se todos eram capazes de fazer uma pesquisa responsável e adequada. No entanto, pedi-lhes propostas para que a qualidade da pesquisa fosse evidente no trabalho resultante e não apenas no processo. Começaram a surgir ideias:
– O trabalho tem de conter referências bibliográficas e a identificação das fontes utilizadas, quer para obtenção da informação, quer para a replicação de imagens;
– As informações têm de ser certificadas, isto é, têm de estar em mais do que uma fonte.
– Os textos não podem ser copiados. Têm de ser reescritos, mantendo o sentido.
Ficou combinado incluir estes aspetos na folha de avaliação dos trabalhos para que fossem tidos em conta aquando da avaliação das apresentações.
Na segunda dimensão, o suporte para a apresentação do trabalho, os alunos optaram por três caminhos: a apresentação multimédia e a construção de pósteres ou cartazes em papel ou em suporte informático. A definição da qualidade do suporte teria ser observada pela identificação da adequação do template ao tema, do equilíbrio entre o texto e a imagem, da adequação do tamanho da letra e das imagens, da legibilidade, da correção do texto, da presença de legendas e da identificação do trabalho e dos autores.
Por esta listagem, são claras as aprendizagens que se espera que os alunos mobilizem na realização destas tarefas e como este trabalho prévio os vai acompanhar, como um mapa interativo das ações a realizar, passo a passo, definindo qualidade.
As aprendizagens referentes ao conteúdo da matemática não ficaram decididas porque precisavam de ser articuladas com as aprendizagens referentes às disciplinas de artes mas, ficou no ar uma proposta de um dos grupos para realizarem um projeto artístico sustentado na geometria, fotografado sequencialmente para que fossem apresentados os conceitos e os processos matemáticos envolvidos.
A tarefa de definir o olhar avaliativo que permite compreender a qualidade do trabalho é transversal às disciplinas do currículo e, este exemplo, torna-o claro porque responde à área da Tecnologia, da Comunicação, da Cidadania, da Matemática e das Artes.
É verdade que ainda há mais para contar sobre esta experiência em que se aprende sustentando-se o processo na avaliação. Fica sempre tanto por dizer porque os processos são enriquecidos pelos pensamentos e emoções dos envolvidos e as palavras mostram uma ínfima parte da sala de aula.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.