Este texto é, fundamentalmente, uma reflexão sobre a natureza do ensino da música, o seu papel e de que forma pode levar os alunos que abraçam este ensino especializado a tornarem-se seres humanos competentes e inteiramente integrados na sociedade.
Sermos competentes neste desafio que é a educação de jovens na preparação de um futuro cheio de esperança e recheado de valores integrais é extremamente desafiante. Dar-lhes ferramentas científicas como o conhecimento, o desenvolvimento das capacidades, mas sobretudo ao nível das atitudes e valores, numa construção integral do ser humano, como forma de sustentação futura é, no meu entender, o mais importante e eficaz. E se isto é verdade em qualquer área do saber, tanto mais o é no desenvolvimento da arte, através da evolução dos meios que permitem criar verdadeira beleza e criatividade.
A competência e o compromisso andam de mãos dadas para o desenvolvimento integral do aluno, revelando-se, por isso, não apenas fundamentais como essenciais na educação de “homens e mulheres para e com os outros” que enfrentarão um futuro exigente. Nesse sentido, na nossa responsabilidade enquanto educadores, comprometidos com a aprendizagem e com todo o seu processo, torna-se fulcral que experiências ricas e significativas para os alunos, os ponham em contacto com a realidade e não com o mundo idealizado.
Neste sentido, a aprendizagem enquanto processo complexo e orgânico, porque humano, requer este diálogo constante entre a compreensão da realidade e o olhar crítico sobre ela. É esperado, por isso, que os jovens não estejam só preparados para o mercado de trabalho, mas também para serem cidadãos ativos e com responsabilidades numa sociedade dinâmica e complexa.
Os domínios da excelência e competência cruzam-se e estão associados ao desempenho. A competência é a base crucial para garantir que as diversas funções e tarefas são realizadas de forma eficiente e correta sempre na perspetiva já aqui apresentada. A excelência pode elevar-nos o desempenho para um nível excecional, por vezes inovador e inspirador, mas para atingirmos a excelência temos de ser competentes, envolvidos e comprometidos com a melhoria contínua.
Na sociedade contemporânea, com uma educação generalizada que privilegie a formação de cidadãos informados, ativos e críticos, o papel das artes performativas não pode ficar de fora e teve de adotar uma conceção de escola mais aberta, massificada e que valorize as artes, com um papel determinante na construção do ser humano. Nesta nova conceção, a escola abandonou a ideia de que as artes permitem apenas desenvolver sentidos estéticos ou o gosto pelo belo, assumindo-as como parte integrante de uma formação integral que conduz a uma inteireza.
O ensino da música tem uma importância significativa para os jovens, nomeadamente ao nível do desenvolvimento social e colaborativo, da motivação e compromisso com os seus pares, de uma aprendizagem interativa e partilhada e de um desenvolvimento do trabalho em equipa. A música é, assim, uma linguagem que, pela sua natureza, nos liga de forma única ao mundo e aos outros. Através das atividades em grupo, no ensino da música, por exemplo, encontramos uma ferramenta fundamental e poderosa para o desenvolvimento musical e pessoal, promovendo um ambiente colaborativo, diversificado e motivador contribuindo para uma educação musical mais rica e completa.
A música tem um papel fundamental na construção, fortalecimento e compromisso entre as comunidades podendo ser um excelente elo de união entre pessoas com diferentes idades e origens. Uma das mais valias do ensino da música é, também, a sua ação na comunidade educativa e noutras redes podendo influenciar diversos aspetos culturais, sociais, emocionais e económicos. A música tem ainda o papel da preservação e transmissão de tradições culturais e históricas mantendo vivas heranças de comunidades, e vínculos de gerações. Mais, a música pode, ainda, promover a inclusão social sendo uma plataforma para vozes, por vezes, marginalizadas e para a diversidade cultural. As pessoas expressam emoções e sentimentos através da música e que muitas vezes não conseguem de outra forma. Esta tem ainda o poder de comunicar mensagens importantes como por exemplo questões sociais e políticas.
A música tem um papel fundamental na construção, fortalecimento e compromisso entre as comunidades podendo ser um excelente elo de união entre pessoas com diferentes idades e origens.
A música é ainda usada de forma terapêutica para ajudar as pessoas em vários domínios como stress, ansiedade e outras condições de saúde. A musicoterapia, neste sentido, pode ser muito benéfica e utilizada quer em ambientes hospitalares ou em ambientes escolares e comunitários. Para além de que a música de uma forma genérica pode melhorar o humor e proporcionar uma sensação de realização.
Importa acrescentar que os jovens que estudam música apresentam melhores desempenhos e notas mais elevadas de aptidão escolar. A probabilidade da competência em determinada área depende da presença ou ausência de atributos inatos denominados por “talentos” ou por “aptidões naturais”. Alguns jovens perseguem um objetivo pela convicção dos professores, dos pais e pelo talento existente e não por sua livre e espontânea vontade, mesmo quando falamos de uma escola profissional com perspetivas de carreira. Existe uma dicotomia entre aqueles que defendem as aptidões artísticas como inatas e aqueles que defendem que estas são fruto de um ambiente próprio ao desenvolvimento. A crença no talento não é errada, mas sim exagerada e simplista. O trabalho, a dedicação, o empenho, a motivação, o compromisso e o apoio familiar são condicionantes preponderantes para um bom desempenho.
Os jovens mais bem-sucedidos no estudo da música, nomeadamente de um instrumento musical, tiveram pais mais envolvidos nas aulas práticas e nos estágios iniciais da aprendizagem. As crianças mais musicalmente capazes tinham os maiores níveis de apoio dos pais/família. As influências como a família ou os professores condicionam as suas escolhas. Os alunos em que o envolvimento parental é maior, mais entusiasta, desenvolvem uma maior motivação, fortalecendo no aluno capacidades como a persistência, a valorização e uma maior capacidade de adaptação para lidar com os sucessos ou insucessos da sua vida escolar.
O ensino da música tem um papel importantíssimo na educação, contribuindo para o desenvolvimento psicomotor, socio-afetivo e cognitivo. Para desenvolver uma competência multifacetada e de forma eficaz é necessária uma combinação de conhecimentos teóricos, aptidão, metodologias pedagógicas adotadas e atributos pessoais.
Neste processo de aprendizagem, o ensino da música favorece ainda a sensibilidade, a criatividade, a noção rítmica e o prazer pela música para além de desenvolver a imaginação, a concentração e a memória. Estão reunidos aqui “domínios” chave para o desenvolvimento integral dos jovens. A aprendizagem musical é facilitadora deste processo e aliada no processo emocional, sensorial e potenciador também na autoestima. Como professora do ensino especializado de música, posso constatar todos os dias que só com esta articulação entre escola, família e jovens alunos, podemos fomentar um ensino para a competência e por sua vez para a educação integral do aluno.
A aprendizagem musical é facilitadora deste processo e aliada no processo emocional, sensorial e potenciador também na autoestima.
Nas escolas especializadas de música trabalha-se para atingir o mais alto nível de excelência e prova disso são os alunos que já integram, na música, uma carreira profissional, sendo exemplo os muitos alunos que fazem parte das melhores orquestras de nível mundial, nunca esquecendo que na construção desta excelência foi fundamental o desenvolvimento das competências e do compromisso que levam os jovens alunos a serem cidadãos competentes ativos e responsáveis.
Sendo professora de um colégio jesuíta, o Colégio das Caldinhas, é importante acrescentar que toda a comunidade escolar usa a música como meio para a integração do Colégio, lema usado pelos Jesuítas, que usam a música como ferramenta essencial para a evangelização e educação, desde os primeiros tempos da Companhia.
Na educação Jesuíta, nas suas escolas e colégios, a música é parte importante do currículo, não só como uma forma de arte, mas também como reforço na educação moral e espiritual. A música litúrgica desempenha um papel fundamental e central nas cerimónias religiosas, com uma participação mais ativa das escolas especializadas no ensino de música. Este envolvimento inter-escolas é uma forma de expressão musical que promove uma dimensão social e um ambiente colaborativo para uma comunidade mais rica e completa.
A música e o seu ensino são uma excelente ferramenta para a educação entre diversas microestruturas dentro de uma comunidade como potenciador social, integradora e facilitadora de uma formação competente e integral.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.