Ando às voltas há muito tempo com esta ideia de que a contemporaneidade está marcada pela polaridade. As posições extremam-se em quase tudo. Os exemplos multiplicam-se… A extrema riqueza e sofisticação a que alguns têm acesso e a miséria extrema e completa exclusão de uma parcela enorme da população. As turmas com grupos de estudantes brilhantíssimos e com alunos em completa alienação (sempre foi assim dir-me-ão, mas praticamente parecem ter desaparecido as pessoas que se situam na média – a média existe, claro, entre o muito bom e o muito fraco, mas como uma abstração, esvaziada de pessoas). A possibilidade sem precedentes de acesso à informação de que muitos aproveitam e a ignorância aflitiva de muitos outros. A radicalização do discurso político à “esquerda” e à “direita”, sem margem para aceitação do diálogo e da possibilidade de o “outro” ter razão em alguma coisa que seja. Tudo ampliado pelas redes sociais que criam frequentemente uma vida aparente e uma ilusão de relações. As mesmas redes sociais que permitem a comunicação fluída e a partilha de informação entre pessoas que, efetivamente, se relacionam e que encontram na tecnologia mecanismos de manutenção de laços.
De entre estas polaridades todas, é gritante o que está a acontecer com o cuidado com a nossa “casa comum”. Ilhas de plástico do tamanho de países no meio dos oceanos, lixeiras tóxicas empurradas a troco de dinheiro para países ditos “em desenvolvimento”, concentração de dióxido de carbono na atmosfera a bater recordes constantes. Na origem de tudo, a aceleração da vida acelerada, os carros, os aviões a movimentar pessoas a um ritmo frenético de trabalho e de turismo, as fábricas (de alimentos, de roupa, de tudo) a produzir para alimentar o consumo de que se alimentam, o culto (consciente ou não) do descartável, da lei do mínimo esforço. E, também aqui, os sinais de sinal contrário. Proliferam as lojas que apresentam alternativas “bio” e os corredores de “vida saudável” nas grandes superfícies comerciais (é esta adesão dos “grandes” a esta tendência que prova a sua existência). As escolas criam pequenos especialistas em reciclagem cuja missão é também educar pais e avós para fazer o que antes não se fazia. O número de praticantes de yoga e outras disciplinas afins aumenta em todo o mundo. Mindfulness e meditação entraram no vocabulário até de disciplinas médicas.
Slow down parece ser a expressão de ordem. Dar tempo para os vegetais crescerem ao seu ritmo e a terra se regenerar. Ter tempo para cozinhar e lavar a loiça (e para pensar que temos de sair de casa com sacos reutilizáveis porque há de haver uma ida ao supermercado; e, já agora, com uma lista de compras porque está provado que assim compramos muito menos do que não precisamos). Dedicar tempo à separação de resíduos. Tempo para pensar nos gestos para que os gestos sejam consequentes. Em toda a linha e a todas as horas.
Em Coimbra, o atual reitor do Seminário Maior anunciou há poucos dias que uma parte desse espaço magnífico (agora muito menos cheio de vocações do que noutros tempos) será dedicada para construir uma espécie de “retiro urbano”. Um local onde haverá oração. Um local onde cada um possa centrar-se e focar no essencial. Talvez até encontrar ou reencontrar a sua própria vocação.
Um sinal (como tantos outros) de que o tempo precisa de encontrar espaço.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.