Numa das escolas secundárias com quem trabalhamos na Fundação Gonçalo da Silveira (FGS), neste final de ano letivo, realizou-se um inquérito para avaliar as atividades levadas a cabo no âmbito da Estratégia de Educação para a Cidadania de Escola. Esta avaliação contou com a participação de estudantes, docentes, a coordenação de Cidadania e Desenvolvimento e entidades parceiras envolvidas nessas atividades.
Há uns dias partilhavam comigo que o resultado do inquérito tem sido muito positivo, especialmente enquanto processo de auscultação e envolvimento da comunidade educativa nesta componente curricular. Mas tinha havido uma resposta que tinha ficado como marcante, porque destoava no meio das outras. Alguém de uma das turmas tinha escrito algo como: “Eu sou estudante. Não sou um ativista”.
Como os inquéritos não têm um botão onde se possa carregar para abrir uma conversa com quem neles participa, se me permitem, vou aproveitar estas linhas para iniciar uma correspondência epistolar com este jovem.
Como os inquéritos não têm um botão onde se possa carregar para abrir uma conversa com quem neles participa, se me permitem, vou aproveitar estas linhas para iniciar uma correspondência epistolar com este jovem.
Olá jovem estudante,
Desculpa-me este começo assim tão formal, mas não sei o teu nome.
O meu nome é Sara e, como tu, também participei no processo de avaliação das atividades de Educação para a Cidadania deste ano letivo. Eu não sou professora, nem assistente operacional, nem familiar de nenhum estudante da tua escola. Sou uma educadora e formadora de uma Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento (ONGD), que apoiou algumas das atividades em que te envolveste ao longo deste ano letivo.
Diariamente dinamizo atividades de Educação para a Cidadania Global com escolas, universidades e outras organizações da sociedade civil. E senti-me muito interpelada pela forma como te identificaste enquanto estudante, em oposição a seres ativista. Por isso, gostava muito de trocar contigo algumas linhas de ideias e deixar-te um desafio.
Na organização em que trabalho, a educação é entendida como um processo vital que começa no momento em que nascemos e que nos acompanha até ao nosso último fôlego. Este processo faz-se de momentos de aprendizagem em diferentes contextos. A escola, ou dito de outra maneira, a escolarização obrigatória do 1.º ao 12.º ano, faz parte desse processo vital e é um desses contextos.
Lembras-te de dar a história da revolução industrial? A escola que hoje temos teve o seu início nessa revolução e o seu principal objetivo era garantir mão-de-obra qualificada para a indústria em crescimento. Para que tal fosse possível, criou-se um modelo onde um professor, que era encarado como detentor do conhecimento, conseguia educar dezenas de crianças, repetindo e transmitindo esse mesmo conhecimento, vezes e vezes sem conta.
Conforme as nossas sociedades evoluíram, a escola também foi evoluindo e transformando-se, para conseguir dar resposta aos desafios que iam surgindo. Foram sendo introduzidos conteúdos técnicos e científicos, introduzidas novas tecnologias que iam sendo desenvolvidas e foi sendo prolongada a idade de escolarização obrigatória. De tal maneira que, nos dias de hoje, a escola é assumida enquanto ferramenta essencial para a construção de bem-estar social, económico e político nas nossas sociedades.
De tal maneira que, nos dias de hoje, a escola é assumida enquanto ferramenta essencial para a construção de bem-estar social, económico e político nas nossas sociedades.
Se virmos o caminho que a escola percorreu ao longo dos séculos, conseguimos perceber que a educação nunca é neutra. Desde a definição dos conteúdos curriculares que tens que saber à cuidada preparação e seleção das dinâmicas de aprendizagem a utilizar, todos os processos educativos que levamos a cabo espelham uma intencionalidade específica. Ou seja, têm um fim último específico, um objetivo a atingir.
A partir da tua visão, qual dirias que deve ser o objetivo da escola e dos doze anos de escolaridade obrigatória?
Da minha parte, acredito que a escola deve ser um local onde realizamos aprendizagens de diferentes tipos, que nos preparam para, a partir do presente, construir um mundo futuro. Aprendizagens que, por um lado, nos ajudam a desenvolver conhecimentos académicos em diversas áreas. Mas também, aprendizagens promotoras de atitudes, capacidades e valores que nos ajudem a construir, coletivamente e a partir do diálogo, sociedades mais justas, equitativas, democráticas e sustentáveis. Pessoalmente, gostaria muito que o nosso sistema educativo ajudasse a desenvolver Aprendentes-Ativistas. Crianças e jovens que têm o seu percurso escolar baseado nesta intencionalidade educativa geradora de novos mundos. Mas talvez isso não seja possível para já. O que achas tu?
Termino agradecendo muito a tua participação no inquérito. Sem ela não teríamos tido a possibilidade de aprendermos juntos. Eu a partir das tuas palavras que me fizeram refletir e, espero, que tu a partir das minhas. Por isso, deixo-te o desafio de continuares sempre a partilhar a tua opinião sobre o que escola deve ou não deve ser e sobre o que tu queres fazer ou não dentro da escola. Essas simples e sinceras partilhas são, sem dúvida, um ponto de partida para uma escola mais alinhada com o que o futuro nos pede.
Até breve. Sara Borges
PS – Não sei para onde enviar esta carta. Talvez o mundo digital assuma o seu papel de carteiro e a faça chegar ao teu smartphone.
Fotografia de Redd – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.