Ver notícias, ler jornais e conhecer realidades mais ou menos próximas de nós é muitas vezes um exercício de desesperança. As assimetrias multiplicam-se em inúmeros contextos, há uma crescente sensação de insegurança, a polarização instalada vai semeando um clima de discórdia (aparentemente) insanável e fomenta-se a ideia de que os consensos, as realidades co-construídas, e a cooperação, são cada vez mais uma miragem, e nem temos tempo para analisar e assimilar este turbilhão de informação.
Que mundo estamos a construir? O que queremos transmitir aos que virão depois de nós? Que cultura estamos a deixar às crianças que já habitam este mundo?
As interrogações sobre o que acontece no mundo são muitas e as sucessivas crises económicas, sociais e ambientais do nosso tempo alimentam talvez a maior crise do mundo contemporâneo – a crise da esperança.
Estando em crise, é prioritário resgatá-la. E o mote para esse resgate foi lançado pelo Papa Francisco, em 2022, quando definiu para o ano de Jubileu de 2025 o lema “Peregrinos de esperança”.
Mas que esperança queremos (e precisamos) de resgatar? Não falamos da esperança ligeira, fácil, quase infantil, assente na premissa de que tudo ficará “bem” de forma imediata, com concretizações abstratas. É-nos mesmo quase insuportável, olhando e escutando para a realidade, o discurso de uma esperança express, ou on demand.
A esperança que cremos que o mundo precisa de resgatar é uma esperança humilde, silenciosa e esclarecida, capaz de aceitar o momento de desesperança presente, mas que, tal como um peregrino, se compromete com o destino, caminha e aceita que a dificuldade e o sofrimento farão parte do processo. É também paciente, confronta-nos com a nossa vulnerabilidade e apresenta-nos a fragilidade dos outros.
A esperança que cremos que o mundo precisa de resgatar é uma esperança humilde, silenciosa e esclarecida, capaz de aceitar o momento de desesperança presente, mas que, tal como um peregrino, se compromete com o destino, caminha e aceita que a dificuldade e o sofrimento farão parte do processo. É também paciente, confronta-nos com a nossa vulnerabilidade e apresenta-nos a fragilidade dos outros.
Como disse Tolentino, “S. Paulo é um oportuno mestre da esperança”. E as suas cartas são expressão de uma espera encarnada que me têm servido como guia (ou mesmo manual técnico) para este resgate do verdadeiro sentido da esperança que tenho tentado concretizar e que acredito que precisamos de fomentar. S. Paulo projeta a esperança em Deus, no futuro, na salvação que virá, mas anima-a no presente, no quotidiano, na fidelidade ao ordinário da vida e dá-nos pistas muito concretas de como podemos agir e amadurecer o nosso sentido da esperança.
Este realismo da espera no presente, que necessita de todos os sentidos despertos, remete-nos para a ideia de integralidade, e que é a chave para as respostas que precisamos para os desafios do nosso tempo. Olhar a realidade como um todo e para os desafios de forma concertada é o ponto de partida para uma sociedade mais justa social, económica e ambientalmente.
A “esperança integral” tem tradução num amor “que tudo desculpa, tudo espera, tudo suporta”, e pode ser traduzida na paz, na oração, na alegria, nas relações familiares, na vida laboral, nos mercados, nas políticas públicas. E que perante a dureza das situações nos vai abrindo uma porta de possibilidades escondidas que o turvo da desesperança não nos permitia observar.
E é esta a semente que gostava de lançar para o tempo do Ano Santo que estamos prestes a iniciar – descobrir e alimentar uma esperança esclarecida, madura, que olhando de forma integral para a realidade abre caminhos para novos entendimentos e novas perspetivas (mais criativas) para dar resposta aos desafios do nosso tempo.
Em 2025, celebraremos também os 10 anos da encíclica Laudato Si’ e os 800 anos do Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis, dois sinais de esperança em dois momentos históricos distintos. Que este tempo seja uma oportunidade de redescoberta da esperança como dom do Espírito, que é difícil de reconhecer na adversidade, mas que é o que nos conforta e garante.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.