Acredito profundamente que a escola é um portal para o mundo, para a sua interpretação e compreensão, uma oportunidade para que cada uma das pessoas, independentemente da sua idade ou condição, possa tomar decisões sustentadas no conhecimento e na experiência sobre como melhorar as condições de vida no mundo em que decidiu viver. Acredito também que essas decisões, enquanto atos de cidadania, implicam escolher caminhos em que os outros são os protagonistas.
Para que a escola seja esse portal para o mundo e para a vida, é necessário criar momentos em que cada um dos alunos possa conviver com a diversidade de culturas, de experiências, de códigos de vida e possa dar voz aos seus pensamentos, expressar opiniões, justificá-las, aceitar as ideias dos outros. Cada uma das disciplinas é uma via para a compreensão do mundo pela cidadania e quando as disciplinas se encontram através de processos de multi e interdisciplinaridade, o caminho ganha mais significados.
É neste contexto que conto mais uma história de uma turma, vinte e quatro jovens de sete nacionalidades, representantes de quatro continentes, que se encontraram numa escola do norte de Portugal. A história começa quando uma ONG convidou a turma a participar no Festival dos Direitos da Criança e da Cidadania que se irá realizar durante uma semana, em Paris, no final do mês de outubro.
Primeiro foi o entusiasmo: vamos a Paris! Depois começou-se a pensar e a questionar. Vamos todos? O que vai acontecer? O que se espera de nós? O que vamos fazer?
O festival irá comemorar os quarenta anos da Carta dos Direitos das Crianças. As atividades incluirão a participação em debates, visitas de âmbito cultural e momentos de partilha de experiências no domínio da cidadania.
Não houve qualquer dúvida de que o convite teria de ser aceite e desde logo começaram a organizar a participação da turma, acordando na elaboração de cinco cartazes, cada um representando um projeto realizado pelos alunos, em anos letivos anteriores.
Organizaram-se cinco grupos de trabalho para que cada um se dedicasse a um projeto. Decidiram-se os tempos de trabalho e os momentos em que cada grupo apresentava aos outros o ponto de situação e ouvia as sugestões para poderem melhorar o resultado. Decidiu-se também construir os cartazes utilizando um software adequado mas que nenhum aluno conhecia e, por isso, exigindo que, pelo menos um dos elementos de cada grupo, utilizasse algum tempo para explorar as potencialidades da aplicação informática.
O situação que parecia mais problemática surgiu quando foi necessário selecionar oito representantes da turma para fazerem a viagem e participarem no Festival.
Como se compreende, a maior parte das disciplinas contribuiu para a realização do trabalho, já que qualquer um dos projetos em estudo, desenvolveu-se sustentado no conhecimento disciplinar, quer na perspetiva da multi quer da interdisciplinaridade. No entanto, foram as disciplinas dedicadas à Tecnologia, à Cidadania, às Artes e à Comunicação, que mais tempo dedicaram.
Dividiram-se as tarefas, revisitaram-se os projetos, escolheram-se as frases capazes de elucidar sobre as finalidades, os processos e as conclusões de cada trabalho e selecionaram-se as fotografias que mostravam como tudo tinha sido realizado. Foram meses de trabalho resumidos em cinco grandes folhas de papel através de processos de recordar, reviver e selecionar as experiências mais emocionantes e as aprendizagens mais significativas. Foi também um processo de partilha com os novos alunos que puderam viver um pouco da história da turma nas narrativas associadas a cada projeto.
O situação que parecia mais problemática surgiu quando foi necessário selecionar oito representantes da turma para fazerem a viagem e participarem no Festival. Já, num ano anterior, também no âmbito de um projeto Erasmus+, dois alunos foram escolhidos para participarem numa visita de estudo a escolas finlandesas. Todos acompanharam a viagem através das fotos e dos comentários partilhados com a turma. Foram analisados todos os momentos, a passagem nos aeroportos, as viagens de avião, as condições existentes nas escolas finlandesas que facilitavam a aprendizagem, as famílias que os receberam, as refeições e os desportos na neve. Quando terminou a visita, foi necessário criar momentos de aula, para analisar e debater as semelhanças e as diferenças da vida dos finlandeses que conheceram e das escolas que visitaram e, a partir dessa análise, conseguiram apresentar ao Conselho Pedagógico o que aprenderam com a participação nesse projeto. Agora, era a vez de outros oito alunos da turma terem a experiência de visitar outro país, conviverem com outras crianças e jovens e levarem os seus conhecimentos para lá da sala de aula e da sua escola.
Os alunos consideraram a necessidade de definirem critérios que permitisse uma seleção concordante com as características do projeto: competências de comunicação dando realce ao francês e ao inglês, autonomia para a integração em grupos de trabalho multiculturais, conhecimento sobre os projetos que a turma viveu para os poder apresentar. Foram indicadas outras competências ou qualidades pessoais mas foram sendo postas de lado ficando apenas as três atrás referidas. Para a aplicação dos critérios na seleção dos colegas que participariam na visita de estudo, realizou-se uma assembleia de turma. Este é um momento em que os alunos experimentam a tomada de decisões, de forma partilhada, sem a presença do professor. A mesa da assembleia é assumida pelos delegados e subdelegados em que um deles assume o papel de secretário e regista no quadro as várias ideias, propostas e justificações e, no fim, torna-se fácil reconstruir o debate e elaborar a ata. Algumas assembleias são ruidosas e lentas, outras resolvem-se depressa. Esta foi rápida: escolheram os próprios representantes da turma, eleitos como delegados e subdelegados, o aluno que tem tido melhores resultados globais na sua aprendizagem e os dois alunos com melhores classificações na disciplina de francês. Disseram-me que foi uma escolha fácil e unânime, embora pesarosa, porque todos gostariam de participar num projeto assim.
Admirei a maturidade da decisão. Como lhes foi fácil reconhecer as competências de oito colegas, propondo que realizassem a viagem que todos ansiavam, dando-lhes a vez. Decerto não deixaram de sentir algum desapontamento mas foi um sentimento assumido. Vinte e quatro escolheram o caminho em que oito seriam protagonistas mas que levariam a voz de todos para ser ouvida noutro país, numa festa de cidadania.
Este é apenas o princípio da história. Outros episódios se esperam.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.