Passaram-se uns 12 ou 15 anos, não consigo precisar. Fui convidada para intervir na cerimónia de abertura do ano escolar num município abaixo do Tejo. A recordação que guardo é a de um auditório cheio de educadores e professores, assim como de representantes dos pais e da sociedade civil em geral, sem esquecer os políticos, claro.
O ano ia começar e havia de tudo: professores felizes e entusiasmados com o regresso; outros que acusavam o cansaço de muitos anos a ensinar e a sentir que os “miúdos chegam cada vez mais imaturos” à sala de aula; professoras que chegavam pela primeira vez e ainda se estavam a ambientar, sabendo que no ano seguinte teriam de começar tudo de novo.
É quando chego à rua que está um grupo de educadoras de infância. Uma pergunta-me: “Ainda se lembra de mim?” Claro que me lembrava, tinha passado uma década, mas a reportagem que fora fazer para o PÚBLICO não estava esquecida (https://www.publico.pt/2000/06/10/jornal/educacao-itinerante-145045 ). O trabalho desta educadora era chegar a zonas de difícil acesso, onde iam à escola poucas crianças, as que viviam espalhadas pelos montes. Um trabalho persistente, só possível ser feito por um profissional muito seguro. Um trabalho que podia ser inglório, na tentativa de conquistar crianças e pais que não davam qualquer valor à escola. Um trabalho precioso para combater desigualdades.
De alguma maneira, Rosário, a educadora, sentiu-se grata e reconhecida por eu não me ter esquecido, nem dela, nem do que fazia. “O vosso trabalho é o mais importante”, disse eu, ao que uma das educadoras que me rodeava respondeu, apontando para as professoras com quem eu acabara de falar: “Ah, mas as ‘senhoras doutoras’ não reconhecem e acham que são melhores só porque são do secundário!”
Aquela não foi a primeira vez que ouvi palavras ofendidas sobre a maneira como se sentiam as educadoras em relação às professoras. Também ouvi de professoras do 1.º ciclo a mágoa da falta de reconhecimento pelo seu trabalho. Aliás, uma vez ouvi dizer numa escola superior de educação, a alunas que dali a um ano seriam professoras, que não eram iguais às do 3.º ciclo e secundário.
De onde vem esse sentimento? Será porque uns frequentam o ensino politécnico e outros o universitário? Talvez. Sei que os educadores de infância — porque há homens que também estão nas salas com os meninos dos 3 aos 5 anos, e esses sentem-se ainda mais discriminados, com pais desconfiados por ver um homem a trabalhar com crianças tão pequenas — são, realmente, muito importantes, os mais importantes, se pensarmos bem. Afinal, são eles os primeiros a acolher os nossos filhos no início do seu percurso escolar. São eles que podem determinar se este será de sucesso.
Ser educador de infância não é acolher os meninos na sala de aula e ficar o dia todo a brincar. A brincadeira existe, é necessária e importante para introduzir um sem número de aprendizagens, desde o cumprimento de regras simples à convivência com os outros, desde a descoberta dos números e das letras aos valores. Ser educador de infância é conquistar as crianças para a escola — passados mais de 20 anos ainda não esqueci a inquietação de deixar os meus filhos com mulheres que não conhecia, naqueles primeiros dias de Setembro, mas nas quais tinha de confiar. Acontecerá a todos os pais e mães.
Portanto, a partir do momento em que confiamos, a partir do momento em que os mais pequenos se despedem destes profissionais com abraços e sorrisos ou que fazem fitas porque não se querem vir embora, a partir do momento que partilham connosco as descobertas que fizeram, estão conquistados para o ensino, para a educação. O caminho está feito para que os professores do 1.º, do 2.º, do 3.º ciclos e do secundário possam continuar a fomentar o gosto pelo conhecimento, a curiosidade e o espirito crítico.
Se estes homens e mulheres que trabalham com os miúdos dos 3 aos 5 anos não fizerem bem o seu trabalho, nenhum professor do secundário, por muito bom que seja, chegará a bom porto. Por isso, sim, são os educadores de infância os primeiros a semear e a cuidar para que, um dia, os nossos filhos desabrochem e dêem flor!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.