O séc. XXI representa sem dúvida o horizonte, de contornos indefinidos, onde parte das vidas de alguns de nós e a totalidade de muitos outros irá decorrer. O mundo torna-se cada vez mais complexo e, como refere Yuval Harari, no seu recente livro, 21 Lições para o Século XXI, os seres humanos não estão a compreender a extensão da sua ignorância quanto ao que se passa, ninguém consegue prever ao certo as mudanças por que passaremos.
Sabemos que vivemos um tempo de mudança, que a vida é marcada por descontinuidades, e que a resposta terá que ser aprender sempre, ajustar sempre, o que quer dizer capacidade de aprender e reinventar permanentemente. Sabemos também que, num mundo cujas mudanças não se conseguem antecipar total ou parcialmente, é necessário desenvolver muita flexibilidade mental e grandes reservas de equilíbrio emocional.
O desafio está, pois, em como o estamos a fazer.
Giambattista Vico, no século XIX, alertou para o corsi e ricorsi de uma história humana que se desenvolve por ciclos, mas não falou dos conteúdos dos ciclos nem das competências necessárias para os enfrentar.
Platão ensinou-nos que nascemos amnésicos do que somos e do que sabemos e que é através da educação que recuperamos os saberes necessários à nossa participação cidadã; Savater acrescentou que é através da educação que nos tornamos inteiramente humanos e competentes para nos integrarmos plenamente nas nossas comunidades; Dewey explicitou que, sendo a educação fator de crescimento, tem uma função social, proporciona um sentido à vida. Mas também eles não explicitaram conteúdos para recuperar a amnésia, desenvolver a humanidade, encontrar o sentido.
Com base nestas e noutras reflexões de tantos filósofos, sociólogos, psicólogos, políticos, economistas, etc., foi-se construindo todo um edifício educador/educativo, procurando preencher os vários domínios do desenvolvimento pessoal, dominado por questões formais organizativas e pela garantia da transmissão e aquisição dos saberes formais.
Os nossos antepassados agricultores não tiveram dúvidas quanto à necessidade de ensinar os ciclos das culturas e o tratamento dos campos, nem os tecelões, quanto às formas de transformação do fio e à construção dos teares. As artes e os setores estavam bem delimitados, o tempo e o espaço contidos em limites razoavelmente palpáveis.
Hoje, as artes e os setores interpenetram-se de forma exponencialmente complexa, o espaço deixou de estar contido, o tempo corre avassaladoramente. Rapidamente a organização pensada é do passado, os saberes formais tornam-se obsoletos.
A sociedade de informação e as tecnologias associadas tornam-nos reféns da urgência do momento, da redução ao efémero, prisioneiros de solidões crescentes desenvolvidas também na incapacidade de relação com os outros.
Transmitir o quê? Educar como e para quê?
Em 1966, a UNESCO produziu um relatório, A Educação: um tesouro a descobrir, que propõe uma abordagem filosófica/metodológica que pretende responder a esta questão. A educação deve desenvolver-se através de quatro pilares: aprender a conhecer, a fazer, a viver juntos, a ser. Uma proposta de educação, à prova das crises sociais, instrumento de inclusão, indutora de dinâmicas sociais e participações cívicas. Educação pluridimensional, atenta aos novos tempos e aos novos domínios, colocada no centro da sociedade, aproveitando as sinergias educativas, indutora de uma aprendizagem ao longo de toda a vida.
Em 2018, Yuval Harari, na obra já citada, propõe uma educação assente também em quatro pilares, os quatro C: pensamento crítico, comunicação, colaboração, criatividade. O foco deve situar-se no desenvolvimento de aptidões de vida polivalentes que dotem as pessoas com capacidades para lidar com a mudança, aprender coisas novas, preservar o equilíbrio emocional em situações desconhecidas. O objetivo é que sejamos capazes de nos reinventarmos uma e outra vez.
O mundo tornou-se plano, no dizer de Friedman, e passou todo ele a ser o nosso habitat. Transformámo-nos em cidadãos do mundo, ganhámos consciência de progressos notáveis e de assimetrias insuportáveis. Mas perante a imensidão intangível do que vamos conhecendo, desenvolvemos também a indiferença, perdemos competências emocionais e empáticas, em suma, resiliência.
A sociedade de informação e as tecnologias associadas tornam-nos reféns da urgência do momento, da redução ao efémero, prisioneiros de solidões crescentes desenvolvidas também na incapacidade de relação com os outros.
Steven Sloman em The Knowledege Illusion. Why we never think alone, afirma que o que permitiu o nosso desenvolvimento não foi a racionalidade individual, mas a capacidade ímpar de pensarmos em conjunto e em grandes grupos.
Repensar, então, conjuntamente, modelos organizativos, conteúdos e práticas educadoras. Educar, então. A aprender permanentemente os saberes codificados, e como estes são imensos e continuadamente se desatualizam. A aprender a conhecer e a fazer com os outros. A aprender o sofrimento, a empatia, a construir resiliências. A aprender a refletir, a analisar, a avaliar e a reinventar. A aprender sempre, para se Ser.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.