Educação, arte e cultura: A multiculturalidade é um desafio

O sistema educativo está em constante mudança e todos estamos envolvidos nessa mudança. Através da Educação e da cultura é possível construir identidades baseadas na compreensão, na partilha e no combate às diferenças sociais.

Vivemos numa sociedade em mudança e cada vez mais multicultural. O sistema educativo está em constante mudança e todos, de uma forma ou de outra, estamos envolvidos nessa mudança. A multiculturalidade é uma realidade, cada vez mais visível no mundo, devido, entre outros factores, às migrações, aumentando a necessidade de convivência entre várias culturas.

Ao lado das transformações tecnológicas, globalização e mundialização da cultura, uma sociedade multicultural será aquela que defende a pluralidade e a diversidade. No entanto, isto não significa afirmar que o que se pretende é uma sociedade fragmentada, dividida em grupos étnicos, políticos, religiosos. A uma sociedade multicultural, não se nega o ato colectivo, mas o que se deseja é que a ela se agregue também a revalorização do eu singular.

Quando se fala em multiculturalidade, não se pode deixar de falar de identidade: identidade de grupos e identidade individual, porque são todos portadores de uma cultura identitária, resultado de diferentes influências e opções. E talvez seja essa consciência identitária que nos predispõe, ou não, a solidarizarmo-nos com os que são diferentes, os que pertencem às minorias.

. A uma sociedade multicultural, não se nega o ato colectivo, mas o que se deseja é que a ela se agregue também a revalorização do eu singular.

Ser “diferente” pode ser considerado do ponto de vista negativo ou positivo. Do ponto de vista negativo, quando projectado no outro, este torna-se marginalizado e excluído; quando encarado positivamente, faz do estranho uma fonte de curiosidade e de conhecimento. Mas a identidade não é algo fixo, é alvo de constantes mudanças devido à interação com o outro. E a socialização contínua é uma forma de identidade.

Através da Educação e da cultura é possível construir identidades baseadas na compreensão, na partilha e no combate às diferenças sociais. Contribuindo para que todos os indivíduos possam competir em igualdade de circunstâncias. A educação e a cultura, como formas de convivência com o outro, requerem criatividade. E a criatividade é cada vez mais vista como forma de comunicação em contextos sociais e multiculturais.

Ao longo do meu percurso como docente e com formação artística, tive muitas vezes que recorrer a projectos multiculturais, para resolver problemas de insucesso escolar. O facto de ter vivenciado situações sociais de crianças de grupos de famílias multiétnicas, fez-me repensar qual o papel que ocupa a educação nestes movimentos de reconfiguração social e se a identidade pode ser utilizada como elemento pedagógico na construção de processos de aprendizagem?

A renovação da vida é o grande tema da nossa época  –  e o primeiro passo que cada um de nós tem de dar é tomar iniciativas. E a multiculturalidade é um desafio! Assim, em 2003 consegui uma licença sabática do Ministério da Educação para o meu projecto educativo sobre os Têxteis Africanos. O projecto teve como motivação os panos D´Obra da Guiné e Cabo Verde. Neles, encontramos padrões de desenhos geométricos: rosáceas, estrelas de oito pontas e a cruz de Cristo, que questionam valores éticos, estéticos, religiosos e culturais. Mas também podem ser reinterpretados no âmbito da recriação artística.

O local de acolhimento do projecto foi o Museu Nacional de Etnologia, sendo a abordagem antropológica e artística do projecto determinante para fazer participar as comunidades minoritárias. Os trabalhos desenvolveram-se em duas fases: o da investigação e o da criatividade. Na fase de investigação centrada no Museu, as actividades foram orientadas essencialmente para o trabalho de pesquisa. A metodologia utilizada teve como fio condutor a observação dos panos D’Obra das coleções do museu e a experimentação na procura de soluções criativas para o projecto. Como produtos finais, resultaram a Exposição “Através dos Panos” (2005 a 2008) no Museu Nacional de Etnologia. A mesma possibilitou a dinamização de oficinas lúdica–pedagógicas do serviço educativo do museu e parcerias com escolas e organismos de inclusão social.

Sendo as oficinas lúdico–pedagógicas lugares axilares de aprendizagem qualificada, permitiram a concretização de estágios de formação, a elaboração e avaliação de projectos multidisciplinares com objectivos vocacionados para o diálogo multicultural e identitário.

Durante este período, a exposição “Através dos Panos” teve a especial participação da comunidade africana residente no Alto da Cova da Moura, Amadora. Foram realizados estágios e atividades sócio–educativas que envolveram crianças, jovens e adultos da comunidade. A colaboração contou também com a deslocação do museu ao bairro e a participação no ano Europeu do Diálogo Intercultural, em 2008.

A experimentação artística em combinação com conceitos estéticos, criativos e de diálogo intercultural, permitiu pensar a cultura como prática social. Num mundo em que os novos fluxos de mobilidade acontecem e implicam alterações sociais, a educação através de actividades artísticas assume uma particular referência na organização das sociedades. As atividades artísticas (pintura, escultura, artesanato, teatro, música, poesia, …) são um instrumento universalmente eficaz para o desenvolvimento do sentido crítico indispensável para contrapor pontos de vista unilaterais. Facilitam a adaptação a um ambiente culturalmente diversificado.

É tempo de eliminar as tensões, respeitar as diferenças, crescer com os outros e acreditar na alegria de viver em comunidade.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.