Educação: a Terra Prometida

Numa sociedade cada vez mais complexa e agitada pelo signo da mudança, a educação, mais que um direito fundamental, é um valor perene que exige o compromisso dos diferentes atores.

Num mundo perfeito, os estudantes chegariam à academia alicerçados nos saberes fundamentais – a língua materna, a matemática, a filosofia e a história (niewieder) – e à-vontade com os saberes práticos adaptados à realidade do século XXI – literacia tecnológica, exercício físico, educação para a saúde, etc. Neste mesmo mundo perfeito, as actividades extra-curriculares (fonte de preocupação financeira e logística para os educadores) estariam inseridas nos planos curriculares, de tal forma que as artes (música, pintura, dança, etc), línguas (espanhol, inglês, francês, etc) e ou modalidades desportivas (futebol, natação, basquetebol, etc) fariam parte da formação global do estudante. Portanto, os estudantes chegados ao ensino superior trariam consigo as ferramentas necessárias para entrar no mercado de trabalho, se o desejassem, mas carregariam também as competências imprescindíveis ao sucesso académico. Simultaneamente, estes estudantes seriam autênticos cidadãos, conscientes do seu papel social e político e da sua responsabilidade na transformação positiva do mundo. Isto implicaria que os professores destes estudantes tivessem sido, desde a escola primária até ao fim da escolaridade obrigatória, tão inspiradores como John Keating (magistralmente interpretado por Robin Williams) do filme Dead Poets Society, de Peter Weir (1989) ou como Mr Forrester do filme Finding Forrester de Gus van Sant (2000).

Imposto o desmerecimento e a desqualificação dos docentes por parte da tutela, aqueles desresponsabilizaram-se da educação, como se pudesse haver ensino sem educação ou vice-versa, assumindo-se como docentes de conteúdos; esquecendo que, antes de tudo, se ensina o que se é.

Este mundo perfeito deveria também estar povoado por pais amantes dos filhos, dedicados ao labor da sua educação, também eles, pelo menos, medianamente educados, devotados à comunidade, nomeadamente, à escola, e inclusivos. Por fim, o estado, enquanto instituição do bem, desenvolveria políticas promotoras da educação, perspectivada como a resposta à complexidade social e aos problemas dela decorrentes. E, assim, alcançaríamos a terra prometida, metaforicamente localizada entre o rio do Egipto e o rio Eufrates. A terra prometida não seria perfeita, mas não carecia de grandes melhoramentos; e, no entanto, alguém pegou num simples prego e num martelo para pendurar não se sabe o quê e eis que todo o edifício ruiu: as políticas educativas ficaram reféns de interesses instalados incontornáveis e justificados em nome dos melhores.

Por exemplo, afirma-se que toda a escolaridade obrigatória está pensada de acordo com a lógica subjacente ao pensamento construtivista de Piaget e que, por essa razão, qualquer aluno com uma inteligência média poderia ter uma aprendizagem plena dos conteúdos programáticos. E, no entanto, as notas da matemática… Este detalhe é explicado pelo facto de Piaget ter pensado toda a sua teoria com base nas experiências feitas com crianças cuja inteligência era acima da média (os seus próprios filhos ou filhos de amigos, socialmente bem colocados, bastante estimulados…). O edifício que ruiu arrastou também a família constrangida entre o trabalho e os sonhos (importados sim, mas sonhos), que pouco mais tempo dedica à educação dos filhos do que aquele que gasta a dizer: ‘estás de castigo, vai estudar’ estabelecendo uma relação eterna entre o estudo (fonte de prazer e salvação para alguns) e o castigo, a negatividade moral.

Este mundo perfeito deveria também estar povoado por pais amantes dos filhos, dedicados ao labor da sua educação, também eles, pelo menos, medianamente educados, devotados à comunidade, nomeadamente, à escola, e inclusivos.

Imposto o desmerecimento e a desqualificação dos docentes por parte da tutela, aqueles desresponsabilizaram-se da educação, como se pudesse haver ensino sem educação ou vice-versa, assumindo-se como docentes de conteúdos; esquecendo que, antes de tudo, se ensina o que se é. Por fim, os pares, filhos destes pais e alunos destes docentes, alienados do castigo que é a educação, procuram soluções de prazer imediato para a sua insatisfação (herdada) nos telemóveis (ah!, o prazer à distância de um clique) e na (não) comunicação através de redes sociais, lugares de superficialidade onde não há verdadeira interacção. Muitos dos heróis destes alunos são os delinquentes de Paranoid Park (2007) e the Elephant (2003), ambos filmes de Gus van Sant, cuja filmografia deveria ser obrigatória na formação dos docentes.

Como chegamos aqui? Que edifício foi aquele que ruiu? Podemos emendar, melhorar? O que queremos doravante? Coisas simples. Educar e qualificar a classe política, em geral, decisora e executante do poder; não apenas no sentido do tempo e qualidade da formação da classe dirigente mas também no sentido do compromisso com a causa pública, da boa gestão da coisa pública, da procura de consensos em torno de valores essenciais e de um compromisso com a casa comum. Numa sociedade cada vez mais complexa e agitada pelo signo da mudança, a educação, mais que um direito fundamental, é um valor perene que exige o compromisso dos diferentes atores. Os políticos, todos, devem ser os primeiros obreiros deste caminho, seja pela palavra como pelo exemplo. Neste contexto, e de uma sociedade cada vez mais exigente com os seus responsáveis políticos, exige-se mais capacidade e competências para possam ser os melhores modelos para a sociedade que dirigem e representam. Por isso, é urgente a escolarização e educação dos agentes políticos, esperando que o reconhecimento do papel da educação como catalisador de mudança se faça sentir no nosso dia-a-dia, na nossa vida. O resto virá em cascata: a qualificação dos professores, o papel das famílias na educação e o lugar do aluno e ou estudante no mundo.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.