“La guerre! C’est une chose trop grave pour la confier à des militaires.” Em tempos de cólera, o aforismo de Clemenceau não perde utilidade. A epidemia é uma coisa demasiado séria para ser confiada aos epidemiologistas. Com a morte a ser comunicada ao segundo por todos os meios de comunicação, é tentador procurar nas palavras dos cientistas e investigadores um paliativo para o medo que aos poucos desce sobre nós. E se é compreensível, talvez seja ilusório. Remediar esta tragédia exige decisões políticas corajosas e a primeira delas é falar a verdade.
Na televisão, nos jornais e na rádio pontificam especialistas de toda a variedade, que peroram sobre modelos estatísticos e picos epidémicos, enquanto explicam a urgência em achatar a curva. É avisado e prudente que o Governo escute atentamente e pondere os conselhos e recomendações de quem estuda estes fenómenos, aqui e lá fora, e cujo conhecimento técnico não é substituível por conceitos de senso comum – por muito razoáveis que pareçam.
Mas a política não se pode esgotar na visão necessariamente restrita dos especialistas. Destes espera-se que transmitam a quem decide o melhor do seu saber; de quem governa que, tendo em conta a opinião informada daqueles, decida com a consciência de que as políticas adotadas, porque necessariamente drásticas, contribuirão para uma segunda tragédia: económica e social. E essa inevitabilidade será sempre uma responsabilidade política, nunca técnica ou científica.
Encerrar escolas e universidades, restringir o normal funcionamento da atividade económica, decretando o fecho de praticamente todo o comércio e restauração, das actividades de cultura, lazer e desportivas, são políticas que a generalidade das pessoas compreende pela necessidade de conter a propagação. Permitir às empresas o recurso a procedimentos simplificados de lay off em situações de diminuição abrupta da faturação, o diferimento e, nalguns casos, a isenção do pagamento de impostos e contribuições sociais, bem como a disponibilização de linhas de crédito são medidas sensatas para preservar a economia e garantir um módico de produção de riqueza.
A firmeza e determinação necessárias para tomar decisões que implicam a restrição da liberdade individual, com o fundamento de combate a um vírus letal, têm de ser acompanhadas com a circunspeção e eficácia que a hora exige. Mas o momento impõe um outro dever: o de comunicar que uma vez terminada ou contida a pandemia – ou ainda durante o caminho que se fará até lá – a economia será sacrificada, em maior ou menor grau, em favor da vida e da saúde pública. Proibições e condicionamentos tão graves como os que foram decretados, e os que ainda poderão vir a ser impostos, deixarão marcas na economia e no tecido social tão vincadas que não é possível prever quando e se a recuperação alguma vez acontecerá por completo.
Mas o momento impõe um outro dever: o de comunicar que uma vez terminada ou contida a pandemia – ou ainda durante o caminho que se fará até lá – a economia será sacrificada, em maior ou menor grau, em favor da vida e da saúde pública.
A economia portuguesa é pequena, frágil e particularmente vulnerável a qualquer sobressalto na zona Euro ou nas principais potências económicas mundiais, com a China à cabeça. A interrupção do turismo justamente nos meses em que o fluxo de visitantes é mais acentuado; o encerramento do comércio não essencial, constituído sobretudo por pequenas e médias empresas; a quebra nas exportações; a contenção no consumo interno ditado por óbvias razões de prudência e falta de confiança, vão criar um decréscimo na produção e, consequentemente, nas receitas do Estado.
Ao mais do que expectável afundamento das receitas, a despesa assumida pela Segurança Social (SS) através da comparticipação de salários ou da isenção de contribuições por parte dos empregadores colocará o erário público e a SS numa situação deficitária. Daqui até ao agravamento do défice e ao crescimento da dívida pública o caminho é muito curto. E ainda que a União Europeia auxilie os estados membros, injetando dinheiro na economia ou mutualizando a dívida, o certo é que o cenário de aumento de impostos não poderá seriamente ser afastado.
A uma pandemia pode assim, muito provavelmente, suceder uma crise económica. As consequências da última estão ainda bem presentes na memória e na vivência da maior parte da população adulta. O desemprego, a diminuição do poder real de compra e a perda da habitação própria aconteceram há muito pouco tempo. Os cortes nas prestações sociais e nos rendimentos dos funcionários públicos resultantes de um pedido de intervenção externa deixaram feridas profundas na sociedade portuguesa que podem a qualquer momento reabrir em face de uma nova crise.
Dispensa-se o sermão patético que nos tem sido servido em horário pós-prandial por jornalistas e figuras de duvidosa credibilidade. Cabe ao Estado comunicar aos portugueses de forma séria, direta, informada e sóbria os perigos colocados pela pandemia. E do mesmo modo, informar cada um de nós sobre a forma como se está a enfrentar a ameaça pandémica e se os profissionais de saúde estão a receber o apoio necessário.
E por mais difícil que seja, é urgente que os governantes não escondam que podemos viver uma segunda tragédia na sequência das medidas adoptadas para combater a primeira. Não se pede um Churchill capaz de com um discurso unir a nação enquanto decorre o Blitz. Basta alertar e dizer a verdade. Querer inocular esperança a um país sem lhe dizer toda a verdade é uma outra forma de mentir. E para isso mais vale ficar em silêncio.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.