Do muito fazer e do pouco saborear

A lógica de aceleração e acumulação de diferentes atividades e projetos dentro do nosso exíguo horário semanal, instalou-se ferozmente nas nossas vidas. Uma lógica que se mede pelo muito fazer e pelo pouco saborear e permanecer.

Passados quase 30 dias do arranque de mais um ano letivo, agora sim já está tudo a funcionar. Além das aulas normais, os clubes – de escrita criativa, da matemática, do xadrez, do teatro, do cinema – já começaram os seus encontros. Cada escola já lançou o seu tema anual e estão a ser pensados os projetos de turma. Os campeonatos escolares desportivos arrancaram e muita gente está inscrita na natação, na escolinha de futebol ou na ginástica. Nas aulas de música e de dança já se ensaiam as primeiras peças e tudo está focado na construção de um espetáculo no final do trimestre. Nas paróquias, iniciou-se o ano pastoral e com ele a catequese, os grupos de jovens e os escuteiros. Também já começaram as sessões de estudo acompanhado, de explicações ou de atividades de tempos livres. Esta lista poderia continuar durante muito mais linhas, se quiséssemos abarcar a quantidade enorme de atividades educativas que existem a cada dia, durante os sete dias da semana, a funcionar pelo nosso país fora.

E todas estas atividades – sejam elas garantidas pelo Estado, pelo mercado, ou pelas comunidades locais, numa lógica de voluntariado – dependem do tempo e entrega de educadores e educadoras. Mulheres e homens, com menos ou mais idade, que assumem como profissão, como vocação ou como doação a educação de crianças e jovens em diferentes âmbitos.

Tanto no trabalho com docentes de escolas e universidades, como no trabalho voluntário com educadores e educadoras no escutismo, parece que existe uma perceção de que temos menos tempo, porque temos ainda mais coisas entre mãos.

Mas este ano vou-me dando conta que as coisas estão diferentes. Tanto no trabalho com docentes de escolas e universidades, como no trabalho voluntário com educadores e educadoras no escutismo, parece que existe uma perceção de que temos menos tempo, porque temos ainda mais coisas entre mãos.

Talvez seja fruto das transformações geradas na nossa sociedade pela pandemia, ou da crise económica que já nos vem pressionando as contas e o tempo. Ou talvez até seja algo derivado desta necessidade de recuperarmos o tempo perdido nos últimos anos, que nos impele a fazer mais coisas do que antes e a ir buscar tempo a outros passatempos. Talvez seja algo contextual, derivado da minha realidade local ou do meu contexto profissional. Mas a lógica de aceleração e acumulação de diferentes atividades e projetos dentro do nosso exíguo horário semanal instalou-se ferozmente nas nossas vidas. Uma lógica que se mede pelo muito fazer e pelo pouco saborear e permanecer.

Será que nos vamos dando conta desta alteração profunda, enquanto sociedade, na nossa forma de entendermos e vivermos os tempos educativos? Será o horário semanal de uma criança e jovem já reflexo desta nossa necessidade de aceleração e acumulação de tempo(s)? Espero que este ano, com todo o tempo que contem, nos ajude a refletir sobre o valor precioso do tempo. E em jeito de oração ou inspiração para esta tarefa, partilho um poema do século XVII de Frei António das Chagas (1631-1682).

Conta e Tempo

Deus pede hoje estrita conta do meu tempo.

E eu vou, do meu tempo dar-Lhe conta.

Mas como dar, sem tempo, tanta conta.

Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?

 

Para ter minha conta feita a tempo

O tempo me foi dado e não fiz conta.

Não quis, tendo tempo fazer conta,

Hoje quero fazer conta e não há tempo.

 

Oh! vós, que tendes tempo sem ter conta,

Não gasteis vosso tempo em passa-tempo.

Cuidai, enquanto é tempo em vossa conta.

 

Pois aqueles que sem conta gastam tempo,

Quando o tempo chegar de prestar conta,

Chorarão, como eu, o não ter tempo.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.