Enquanto se arranjava para arrancar para a sua viagem de finalistas, algures entre as 6h e as 7h da manhã, o meu filho e eu tivemos uma ligeira altercação, por algo que lhe tinha dito para fazer na véspera, e a cinco minutos de sair de casa ainda não estava tratado (e tinha a ver com a sua viagem). À boa maneira adolescente respondeu-me num tom de voz mais impaciente e nada polido, o que me tirou, naturalmente, do sério. Ele, centrado nas suas necessidades mais imediatas, eu centrada na angústia de viver uma semana a imaginar tudo o que de mau poderia acontecer no sul de Espanha.
Felizmente sou uma mulher da ciência, e foi dela que me socorri nestes dias, revendo mentalmente os meus conhecimentos e recorrendo à literatura no que diz respeito aos achados sobre o funcionamento do cérebro adolescente, que tem tanto de encantador como de assustador.
Foquei-me então numa revisão global dos grandes chavões da adolescência e da sua explicação à luz das neurociências e da psicologia.
“Porque é que ele não me ouve?”
É comum ouvirmos que os adolescentes têm uma audição seletiva, escutando apenas aquilo que lhes interessa. Em consulta, costumo dizer aos adolescentes que ao ouvirem muito “barulho de fundo” que vem de outras divisões da casa, é importante tentarem descodificá-lo uma vez que normalmente são os pais a questionar ou solicitar algo. Aparentemente, a ciência concorda com este pressuposto.
Daniel Abrams e a sua equipa da Universidade de Stanford mostraram que efetivamente existem diferenças na ativação cerebral do adolescente face à voz da mãe ou a uma voz não familiar, comparativamente com cérebros de crianças, cuja resposta é inversa. No mesmo estudo, percebe-se que estas mudanças no alvo principal de interação, são acompanhadas por uma redução na motivação para se envolver com o foco do estádio anterior (a mãe).
Corroborado por outros tantos trabalhos que analisam a fase da adolescência, conseguimos compreender que, o afastamento das figuras parentais e a curiosidade pelo que é novo, são explicados pela ativação de centros de recompensa cerebral (um circuito neuronal que provoca sentimentos de prazer) e de valorização social.
“Porque é que só liga aos amigos?”
A valorização social é transversal ao longo da vida, e cumpre uma função de sobrevivência. Só estando integrados em grupos, os nossos antepassados conseguiram sobreviver.
Há muitos anos a antropóloga americana, Margaret Mead (1901-1978), em resposta a um dos seus alunos, terá referido que o primeiro vestígio da civilização humana era um fémur com 15.000 anos encontrado numa escavação arqueológica. Segundo a autora, “o fémur estava partido, mas tinha cicatrizado (…) é o osso mais longo do corpo humano e leva cerca de 6 semanas para cicatrizar. Um fémur curado mostra que alguém cuidou daquela pessoa, fez a caça e coleta, ficou com ela (…). O primeiro sinal de civilização é a compaixão, vista num fémur curado”.
Se numa fase inicial de vida é necessário o cuidado e proteção das figuras de referência, na adolescência o ser humano precisa de se autonomizar, seja por se juntar a quem consegue caçar ou acasalar, seja para se integrar num grupo, escolher uma profissão, sair à noite acompanhado, descobrir uma vocação ou conhecer alguém com quem desenvolve uma relação amorosa.
Fazer parte de um grupo, sentir-se integrado, descobrir ou partilhar interesses permite ao adolescente a consolidação dos valores pessoais e o desenvolvimento do sentimento de pertença.
A adolescência é, assim, uma mistura interessante entre os valores que são incutidos pela família, as aprendizagens ao longo da infância, as experiências pessoais, o desenvolvimento do self, ao qual se juntam os amigos (também eles com uma bagagem prévia), as alterações fisiológicas (em particular as hormonais e as emocionais) e todas as histórias de vida vividas pelo jovem, que passam a ter um peso especial quando experienciadas em grupo.
A adolescência é, assim, uma mistura interessante entre os valores que são incutidos pela família, as aprendizagens ao longo da infância, as experiências pessoais, o desenvolvimento do self, ao qual se juntam os amigos (também eles com uma bagagem prévia), as alterações fisiológicas (em particular as hormonais e as emocionais) e todas as histórias de vida vividas pelo jovem, que passam a ter um peso especial quando experienciadas em grupo.
“Porque é que os adolescentes se envolvem em comportamentos de risco?”
Talvez o principal desencanto da adolescência seja mesmo a vivência de situações de risco, muitas vezes em conjunto com pares, que quando acontecem ativam centros de prazer a nível cerebral e dificultam a antecipação de possíveis repercussões.
Enquanto pais observamos diariamente a influência dos pares nos mais pequenos detalhes. Seja a roupa, a expressão na voz ou bengala linguística, as escolhas musicais ou os programas a que assistem, de repente aquele jovem passa a ter uma nova forma de ser e estar, ainda que vivendo debaixo do mesmo teto.
Esta influência pode ser muito positiva na medida em que os jovens podem ser sugestionados pelos amigos a ser mais assertivos, a estudar de uma forma mais eficaz, a experimentar um novo desporto ou envolver-se de alguma forma na sua comunidade (por exemplo, grupos de jovens). A novidade é algo que os adolescentes apreciam e quando se sentem felizes com as suas escolhas e valores, serão menos influenciados a adoptar comportamentos com os quais não se identificam.
No lado menos bonito desta pressão dos pares estão os comportamentos de risco ligados ao consumo de substâncias, envolvimento em relações sexuais desprotegidas ou não desejadas, ou a condução irresponsável. A ciência tem-nos mostrado que há jovens mais facilmente influenciáveis do que outros, podendo ser mais sensíveis ao sentimento de aceitação ou crítica por parte dos pares, levando-os a adoptar determinados comportamentos como forma de aprovação.
O cérebro em desenvolvimento tem uma maior atividade nas áreas responsáveis pelos processos sociais, mas o córtex pré-frontal, responsável pelas atividades de planeamento, priorização ou tomada de decisão, é dos últimos a amadurecer, o que pode levar os adolescentes a assumirem então mais riscos, pois os benefícios sociais superam as consequências de uma tomada de decisão.
O cérebro em desenvolvimento tem uma maior atividade nas áreas responsáveis pelos processos sociais, mas o córtex pré-frontal, responsável pelas atividades de planeamento, priorização ou tomada de decisão, é dos últimos a amadurecer, o que pode levar os adolescentes a assumirem então mais riscos, pois os benefícios sociais superam as consequências de uma tomada de decisão.
Não deixa de ser curioso que mesmo os adolescentes que assumem riscos negativos (por exemplo, consumo excessivo de álcool) também assumem riscos positivos (por exemplo, desporto ou envolvimento em ações de voluntariado). Essa propensão ao risco é normativa e adaptativa, permitindo assim ao adolescente o desenvolvimento da sua identidade e independência, que muitas vezes requer que os jovens estejam dispostos a experimentar coisas que podem não gostar ou nas quais podem não ser bem-sucedidos, o que requer uma tolerância à frustração, tão útil na vida adulta.
Sejamos, então, capazes de manter presente que é o cérebro do jovem que está em desenvolvimento e não o nosso. A nossa história já passou, com tudo o que de bom e mau experimentamos, e com as marcas que cada episódio nos deixou. Com mais ou menos riscos, a maior parte dos jovens irá chegar à vida adulta de forma adequada e com muitas competências aprendidas e desenvolvidas nesta fase de (des)encanto que é a adolescência.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.