Déjà-vus Literários

As respostas que procuramos estão nos livros que lemos e nos que esperam o conforto das nossas mãos. Vejam: andamos com as soluções para os nossos problemas debaixo dos braços. Desde sempre.

Sabemos que não estamos sozinhos, mas, nos momentos mais complicados, julgamos o contrário, e assumimos que somos únicos e que só as nossas experiências existem e revelam. Meros momentos de arrogância e incompreensão, de certeza gerados pela dúvida. Comportamo-nos assim quando nos perdemos — quando não sabemos o que fazer relativamente a problemas mais ou menos difíceis.

As soluções existem, mas tardam em ser descobertas. Este atraso é prova das dificuldades. É-nos benéfico, mesmo que não o percebamos de imediato. É mau ter problemas, mas é bom resolvê-los — ou engendrar planos com esse fim. O nosso espírito depende destas conquistas.

Baldwin, quando se perdia, confiava nos livros. Na verdade, confiava em toda a arte, mas tinha uma atenção especial pelas formas de papel que lhe dariam as repostas necessárias:

 

You read something which you thought only happened to you, and you discover it happened 100 years ago to Dostoiévski.

This is a very great liberation for the suffering, struggling person, who always thinks that he is alone.

—     An Interview With James Baldwin, by Studs Terkel (1961)

 

Para o autor norte-americano, a arte é importante porque se trata de uma cópia da vida. E a vida é importante. Ninguém se opõe a esta posição cuja componente mais maravilhosa tem que ver com o poder dos livros e dos seus autores que registam a experiência humana como nenhuma outra forma artística. Para Baldwin, ninguém está sozinho.

Os livros registam tudo. Independentemente do autor, do género, ou do tamanho. Os livros concentram em si grandes ajudas, mapas de resolução de problemas prementes e pequenos truques. Se estes elementos forem reunidos, reproduzem episódios humanos simultaneamente banais, porque comuns, e irrepetíveis, porque dizem respeito à vida de uma personagem, que pode ser real ou não. A realidade é quase irrelevante, o leitor interessa-se mais pela veracidade das ações que surgem ao longo das páginas dos livros que lê.

Os livros são os amigos mais silenciosos. Elucidam-nos quase sempre de uma forma brusca e inesperada. Eles exigem muito pouco de nós; só temos de estar atentos — e, por vezes, nem isso: somos surpreendidos pela nossa própria desatenção, que cessa num determinado instante de leitura triunfante — quando, por exemplo, lemos uma passagem que nos envolve, levando-nos para o interior da história, onde nos revemos nas personagens cujas questões e soluções são semelhantes às nossas.

Autênticos déjà-vus literários, portanto. Mas esses nem sempre ocorrem. Não é suposto que todos os livros que lemos tenham esta capacidade de misturar mundos, acentuando as semelhanças entre nós e os que vivem entre capítulos. Só descobrimos a força de cada obra — de que forma esta nos toca — no final de cada leitura. Ao longo deste processo, percebemos quais são as nossas obras preferidas, e porquê. Também são tantas as vezes em que atingimos novas conclusões em relação a livros muito tempo depois de os termos concluído. Há respostas que nos são reveladas bastante mais tarde, mas sempre na altura devida.

Todos os livros são infinitos. Os livros só têm começo. Um livro com fim é uma impossibilidade, arrisco-me a afirmar que é uma aberração. Por serem infinitos os livros infiltram-se nas nossas vidas quando querem. Não temos mão no assunto, no momento em que pegamos num livro e iniciamos a sua leitura não sabemos de que forma é que ele nos vai tocar. O que sabemos é que é possível que ele deixe uma parte de si em nós, porque o seu papel, que é bem humano, passa por nos mostrar que, de facto, não estamos sozinhos — e que a humanidade corresponde a uma experiência estranhamente semelhante para todos os que têm a sorte de a experimentar.

As respostas que procuramos estão nos livros que lemos e nos que esperam o conforto das nossas mãos. Vejam: andamos com as soluções para os nossos problemas debaixo dos braços. Desde sempre.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.