David Attenborough: Uma vida no nosso planeta

Uma Vida no Nosso Planeta é um testemunho de vida mascarado de documentário. Fala mais do próprio David Attenborough do que da crise ecológica. A força do documentário está no olhar contemplativo que nos pode dar algumas lições espirituais.

“Oh, não! Mais um documentário sobre ecologia… Claro que vai ser informativo, vai ter imagens aéreas espetaculares, vai apresentar os problemas da crise ambiental, vai propor soluções. E depois de umas horas a pensar no documentário, a vida volta ao normal e nada muda…”. Confesso que foi isto que pensei quando me convidaram para ver o recente filme da Netflix, David Attenborough: Uma Vida no Nosso Planeta:

Serei assim tão pessimista? Não. Pelo contrário.
Já estou assim tão fechado à mudança? Tenho um grande desejo de conversão ecológica, mas por outro lado sinto-me um bocado impotente.
Então, o que é que este documentário acrescenta? Houve algo que me ajudou a ir além do meu preconceito: o próprio David Attenborough.

Uma Vida no Nosso Planeta é um testemunho de vida mascarado de documentário. Fala-me mais do próprio David Attenborough do que da crise ecológica atual. Atualmente com 94 anos, o famoso apresentador dos documentários de vida selvagem da BBC vai muito para além da divulgação científica. Apresenta-se a si mesmo, à sua história, ao seu trabalho e, principalmente, partilha o seu olhar experiente e sábio e a sua reflexão madura sobre o tema que ocupou toda a sua vida: o planeta e a vida na Terra.

Uma Vida no Nosso Planeta é um testemunho de vida mascarado de documentário. Fala-me mais do próprio David Attenborough do que da crise ecológica atual.

Em relação à questão ambiental, tentarei ser breve. O documentário explica as condições profundamente interligadas que, depois da extinção dos dinossauros, há 65 milhões de anos, permitiram uma evolução da vida até ao aparecimento e florescimento do ser humano. Mais tarde, mostra como a ação dominadora do homem, principalmente nos últimos 200 anos, foi provocando um desequilíbrio nas delicadas relações de prosperidade entre espécies, ecossistemas e, consequentemente, a nível global. Também apresenta projeções pessimistas, segundo as quais poderemos estar a assistir a uma perda irreversível. Refiro-me à perda de uma estabilidade capaz de garantir melhores condições de vida, tanto ao mundo natural, em geral, como ao ser humano, em particular. Para que uma tal estabilidade se mantenha ou se recupere, é preciso mudar as práticas depredadoras que caracterizam o nosso atual modo de vida, sobretudo nos países mais desenvolvidos. Como solução, David Attenborough argumenta a favor da restauração da biodiversidade através de políticas demográficas, energéticas, económicas, da promoção de uma alimentação menos dependente de fontes animais e da proteção das florestas.

Subjacente a estas políticas, encontra-se a profunda ligação do homem com a natureza: “O homem – diz-nos David Attenborough – não pode estar à parte da natureza, nós somos parte da natureza. (…) Se cuidarmos da natureza, ela cuida de nós”.

A força do documentário está no olhar contemplativo de David Attenborough. O que me agarra e me faz pensar é a autenticidade do seu discurso. Trata-se de um testemunho autobiográfico sincero. Embora Sir David se diga agnóstico, encontro algumas lições espirituais:

1. A vocação descobre-se ao seguir os desejos mais profundos, ao seguir o que mais nos inflama o coração. Ao longo do documentário, é muito fácil intuir a paixão de David Attenborough pela vida e pelo planeta. Há uma força transcendente nos olhos de quem fala daquilo que ama e ao qual dedica a sua vida. Ele vive esta sua vocação como serviço ao mundo e à humanidade. Parece que fala da sua carreira como um caminho de aprofundamento da vocação pessoal.

2. Saber agradecer. Sir David repete muito a expressão: “tive muita sorte em…”. Leio nesta expressão um olhar agradecido pelas oportunidades que teve. É uma forma saudável e santa de estar na vida: olhar para a nossa própria existência e história com um olhar maravilhado pelo que Deus vai fazendo por nós, em nós.

3. A importância do olhar contemplativo. Todo o documentário é uma partilha deste olhar. Há uma sabedoria escondida na maneira de se olhar o mundo. Em Uma Vida no Nosso Planeta, David Attenborough partilha o resultado da sua experiência de olhar a vida e a natureza (eu diria mesmo: a Criação), procurando a verdade, a beleza, o cuidado, o equilíbrio, a vida… Na tradição cristã, particularmente na espiritualidade inaciana, a Contemplação para Alcançar Amor ensina-nos a ver a presença, o trabalho e o amor de Deus em todas as coisas; um Deus que é a própria Verdade, Beleza, Cuidado, Justiça e a própria Vida.

4. Dar testemunho. Como David Attenborough, também nós temos a responsabilidade de partilhar uns com os outros o resultado discernido do caminho da nossa vida. Sir Attenborough faz a parte dele: procura viver a sua vocação, aprende e reflete e conta a sua história, dá testemunho do que aprendeu e do que lhe parece importante transmitir aos que com ele fazem caminho enquanto humanidade.

Este pode ser um bom tempo para fazermos a nossa parte, que vai muito para lá do ativismo e da ação ecológica puramente ambiental. Façamos o melhor que podemos para seguir a nossa vocação, percebendo a forma como Deus nos atrai e mexe com o nosso coração. Agradeçamos a nossa vida ao Criador, as oportunidades e até as dificuldades que nos ajudaram a chegar a este presente que Deus ama. Renovemos o olhar sobre o mundo, vendo Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus. Demos testemunho aos nossos irmãos da Verdade e da Beleza que encontramos no caminho que fazemos com Jesus. Sejamos profetas que apontam para a Vida no nosso planeta e isso irá refletir a Vida Eterna que nos espera.

 

José Maria Caldeira Ribeiro, sj

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.