Crise de fé ou a fé em crise?

No caso dos jovens, uma das coisas que os leva a afastarem-se de Jesus pode estar relacionada com a sua vida em Igreja. Talvez porque quando surge a primeira questão, não encontram um espaço aberto e seguro para expô-la.

É normal chegar uma altura em que achamos que a fé já não nos diz tanto ou não nos faz tanto sentido. São as chamadas crises de fé. Não é que esteja a passar por um destes momentos, mas, nos últimos meses, tenho sido levada a pensar naquilo que pode fazer com que as outras pessoas se afastem de Jesus, nomeadamente os jovens.

Nesse sentido, uma das minhas conclusões é que, no caso dos jovens, uma das coisas que os leva a afastarem-se de Jesus pode estar relacionada com a sua vida em Igreja. Talvez porque quando surge a primeira (pequena ou grande) questão, não encontram um espaço aberto e seguro para expô-la.

Lembro-me da minha primeira pergunta. Surgiu quando cheguei ao sétimo ano do ensino básico. Na disciplina de físico-química, a primeira matéria lecionada era o sistema solar e as teorias da origem do universo, e foi então que ouvi falar da teoria do Big Bang. “Então, não tinha Deus criado o mundo em sete dias?!” pensei. Fiquei tão indignada com este “paradigma” que o levei para a catequese.

Agora que olho para trás reconheço que foi muito importante ter encontrado no meu grupo de catequese um espaço aberto e pronto a acolher as minhas questões, mesmo que elas não fizessem parte do manual do catequista. Lembro-me que chegámos a fazer duas ou três catequeses à volta do tema “a vida depois da morte” que um de nós tinha trazido, assim como tantos outros temas que resultaram do conflito entre o nosso dia a dia e o meio católico. Estes momentos de diálogo em Igreja foram para mim muito importantes, diria até decisivos, para continuar a dizer que Jesus é meu amigo. Observando o que se passa à minha volta, e pensando naqueles que podem estar a passar por uma crise de fé, sinto que os momentos em Igreja têm de ir para além de pregar e fazer com que as crianças e jovens saibam tudo sobre a vida de Jesus. Parece-me que o primeiro passo é criar este ambiente onde todos se sintam bem e à vontade, fazendo com que através dos momentos bons que se vivem, das conversas que surgem, da partilha constante, conheçam Jesus e, reconhecendo-O nos outros, O procurem em tudo o que está à sua volta.

Parece-me que o primeiro passo é criar este ambiente onde todos se sintam bem e à vontade, fazendo com que através dos momentos bons que se vivem, das conversas que surgem, da partilha constante, conheçam Jesus e, reconhecendo-O nos outros, O procurem em tudo o que está à sua volta.

Muitas vezes é mais fácil encontrá-Lo do que pensamos, porque está nos sítios mais improváveis também. Gosto de dar o exemplo do meu grupo de melhores amigos, que são agnósticos ou ateus. No entanto, a quantidade de vezes que encontro Jesus neles é surpreendente! Seja pela preocupação com o bem estar uns dos outros, pela presença nos momentos mais importantes de cada um, ou mesmo a certeza de que estarão comigo em qualquer momento que precise.

É a partir desta vivência que retiro a ideia de que pode ser muito mais eficaz dar a conhecer Jesus a partir do exemplo ao invés de pregar e dizer no que se deve ou não acreditar. Se me puser ao serviço e der de mim aos outros, fazendo perceber que é como Ele e por Ele que o faço, talvez então consiga espalhar a Sua mensagem. A este propósito, numa noite de oração de preparação para a Jornada Mundial da Juventude, lemos a parábola sobre ser Sal da Terra (Mt 5, 13-16). Numa das reflexões propostas, destaquei um parágrafo que para mim resume esta ideia: “O sal tempera e preserva, impedindo que as coisas se estraguem e apodreçam. É isto que Jesus nos pede quando escolhemos uma vida com Ele. Que tal como o sal tempera e realça o sabor dos outros alimentos, discretamente e sem ser a estrela do prato, também nós possamos levar alegria e mais humanidade à vida dos outros. Somos também chamados a ajudar à preservação. Da nossa fé, da fé dos outros, da nossa identidade cristã. Como dizia S. João Paulo II, a sabermos estar no mundo sem sermos mundanos.”

Volto à minha inquietação inicial: o afastamento. Em Setembro tive oportunidade de ler com atenção o relatório de Portugal com as conclusões do sínodo. Menciona-se, num dos pontos, que o principal motivo que afasta os jovens da Igreja e os impede de caminhar juntos “assenta na diferença existente entre o seu modo de pensar e a doutrina da Igreja Católica, referindo que a Igreja tem uma mentalidade retrógrada e desajustada dos tempos em que vivemos.”. Quando as perguntas não têm resposta, a fé fica em crise.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.