A Universidade como projeto de transformação social

A universidade, cuja missão está intimamente comprometida com a busca da verdade, deve ser concebida, também, como um projeto de transformação social

Não obstante os significativos desafios com que atualmente se confronta, a instituição universitária continua a desempenhar um papel decisivo no seio das sociedades contemporâneas. A resiliência da universidade enquanto instituição basilar das sociedades ocidentais é, de facto, impressionante. Tal não significa que possamos demitir-nos, sem mais, de repensar a missão da universidade diante das profundas e aceleradas transformações sociais, culturais e políticas que marcam o tempo que nos é dado viver.

A necessidade de repensar a missão da universidade, capacitando-a para responder aos desafios do tempo presente, estimulou a reflexão dos participantes na Assembleia Mundial das Instituições de Ensino Superior da Companhia de Jesus, que teve lugar na Universidade de Deusto, Bilbao, de 08 a 12 de julho, contando com a participação dos reitores, vice-reitores e delegados das cerca de 300 instituições universitárias da Companhia de Jesus espalhadas pelo mundo, num total de quase 400 participantes. O tema que serviu de mote aos trabalhos foi: Transforming our World Together.

A necessidade de repensar a missão da universidade, capacitando-a para responder aos desafios do tempo presente, estimulou a reflexão dos participantes na Assembleia Mundial das Instituições de Ensino Superior da Companhia de Jesus,

P. Bruno Nobre, sj

Os primeiros dias da assembleia, cuja sessão solene de abertura contou com a participação do Rei Filipe, de Espanha, foram dedicados a uma atenta «contemplação», à luz do Evangelho e da tradição educativa da Companhia de Jesus, do mundo contemporâneo, com as suas luzes e sombras, problemas e oportunidades. A elucidação do momento presente e das possíveis respostas das universidades, em particular das universidades ligadas à Companhia de Jesus, esteve a cargo de vários oradores convidados: o Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, que apresentou a doutrina social da Igreja como marco orientador para a missão das universidades jesuítas no contexto contemporâneo; o ensaísta indiano Pankaj Mishra, autor do influente livro The Age of Anger, que apontou as raízes da fragmentação social e política das sociedades contemporâneas e sublinhou o papel das universidades católicas, em particular as universidades jesuítas, na construção de sociedades mais pacíficas e coesas; por fim, o jesuíta e economista Gael Giraud, investigador sénior do Instituto de Economia da Sorbonne, que descreveu as profundas desigualdades sociais  e a perigosa crise ecológica que ensombram o futuro da humanidade, e sugeriu que a resposta a estes problemas deve ser assumida como prioridade pelas universidades ligadas à Companhia de Jesus.

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Paticipantes do Encontro Internacional das Universidades Jesuítas que decorreu em Bilbao

O ponto alto da Assembleia de Deusto foi protagonizado pelo Padre Arturo Sosa, Padre Geral da Companhia de Jesus, o qual, tendo como cenário a Basílica de Loyola, proferiu uma conferência programática e inspiradora, intitulada «A Universidade Fonte de Vida Reconciliada». Ancorado no Decreto 1.º da Congregação Geral 36, que o escolheu para governar a Companhia Universal, o P. Geral afirmou que as universidades jesuítas devem estar ao serviço da missão de reconciliação da Companhia de Jesus, reafirmada com particular intensidade pela última Congregação Geral. Para o P. Arturo Sosa, a universidade deve ser fonte de vida reconciliada, comprometendo-se seriamente com processos de reconciliação que possam contribuir para sarar as feridas que rasgam os tecidos humanos e sociais de muitas sociedades contemporâneas e para a construção de sociedades mais justas e fraternas.

Para o P. Geral, a universidade, cuja missão está intimamente comprometida com a busca da verdade, deve ser concebida, também, como um projeto de transformação social, o que configura um repto significativo quando o desafio é a transformação global. «Não basta alcançar a profundidade intelectual», adverte o P. Geral. «É preciso que esta encontre sentido mais além de si mesma, como contributo para melhorar o mundo. O trabalho intelectual transforma-se em missão quando se realiza no meio da intempérie, e não encerrado num gabinete, seguro das suas próprias certezas. Quando é capaz de dialogar com outras disciplinas, enriquecer-se de outras perspetivas e visões diversas do mundo, como a ciência e a cultura. Quando não se fecha na sua própria verdade. Quando se vive como missão recebida, como envio para contribuir na libertação do mundo».

«Não basta alcançar a profundidade intelectual É preciso que esta encontre sentido mais além de si mesma, como contributo para melhorar o mundo. O trabalho intelectual transforma-se em missão quando se realiza no meio da intempérie, e não encerrado num gabinete, seguro das suas próprias certezas

P. Arturo Sosa - Geral dos Jesuítas

O processo de mundialização-globalização vai esculpindo um mundo novo, marcado pelo pluralismo e pela multiculturalidade, e exige a formação de uma «cidadania universal», capaz de encarar a diversidade cultural como uma oportunidade de enriquecimento humano. De acordo com o P. Arturo Sosa, as universidades jesuítas podem dar um importante contributo nesta direção: «adquirir a cidadania universal seria um dos frutos de estudar ou trabalhar numa instituição da Companhia de Jesus. É uma das dimensões constitutivas da pessoa que nos propomos desenvolver e acompanhar durante a sua formação. Ademais, faz falta criar as condições para a escuta do chamamento ao serviço público como compromisso pessoal. A vocação ao compromisso direto na política é uma vocação, tão necessária como complexa, de serviço à reconciliação e à justiça. Abrir esta possibilidade na vida de alguns faz parte da nossa tarefa educativa. Acompanhar a formação daqueles que escolhem servir na política é uma das maiores contribuições que podemos fazer no sentido da melhoria das sociedades humanas em todas as partes do mundo».

De acordo P. Geral, as instituições universitárias jesuítas serão capazes contribuir para a transformação do mundo na medida em que forem fiéis à rica tradição educativa da Companhia de Jesus. A autêntica fidelidade à tradição exige uma resposta criativa, alicerçada na identidade inaciana, aos desafios próprios do nosso tempo. Segundo o P. Arturo Sosa, a tradição educativa da Companhia de Jesus caracteriza-se por um humanismo que acompanha o processo de cada pessoa, ajudando-a a sair de si mesma para sentir-se responsável pela humanidade e abrir-se à transcendência. Para as instituições de ensino superior da Companhia de Jesus, não é suficiente a capacitação para o desempenho competente de uma profissão. A formação integral própria da tradição inaciana deve formar pessoas «consistentes, responsáveis por si mesmas e pelos demais na terra em que habitamos».

Segundo o P. Arturo Sosa, a tradição educativa da Companhia de Jesus caracteriza-se por um humanismo que acompanha o processo de cada pessoa, ajudando-a a sair de si mesma para sentir-se responsável pela humanidade e abrir-se à transcendência.

P. Bruno Nobre, sj

Finalmente, fazendo eco das últimas Congregações Gerais, o P. Arturo Sosa sublinhou a importância da colaboração, colaboração dentro da própria universidade e entre universidades. «Uma instituição universitária só é possível através da colaboração. Por isso insistimos em apelidá-la de comunidade universitária. Sabemos que é muito o que podemos ainda fazer para ampliar e aprofundar a colaboração dentro da própria universidade, entre universidades e com tantas outras possibilidades que hoje se abrem a ela».

A resposta ao repto do P. Geral ao aprofundamento da colaboração concreta entre universidades materializou-se na criação, que vinha sendo preparada há vários anos, de uma rede internacional de instituições de ensino superior ligadas à Companhia de Jesus (IAJU – International Association of Jesuit Universities). Desta associação faz também parte a Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa, criada há 75 anos por iniciativa da Companhia de Jesus e mantendo com ela uma estreita relação. O contributo desta pequena, mas significativa instituição do panorama universitário e cultural português vê-se, assim, enriquecida pela formalização de uma pertença que marcou a sua identidade desde o primeiro momento. Possa esta oportunidade suscitar respostas criativas aos desafios do Portugal contemporâneo.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.