Várias universidades portuguesas criaram departamentos, centros de estudos, unidades ou núcleos dedicados à inovação pedagógica. Algumas dessas universidades oferecem mestrados e especializações em inovação pedagógica. Numa pesquisa rápida na Internet, encontramos uma miríade de encontros e congressos sobre inovação pedagógica. Existem empresas e especialistas que prestam serviços de consultoria em inovação pedagógica. A Direção-Geral da Educação desenvolve projetos de inovação pedagógica. Quase todas as escolas – públicas e privadas – têm em curso projetos de inovação pedagógica. As famílias procuram para os filhos as escolas com o selo da inovação pedagógica. Naturalmente, também nós, professores, procuramos que a centelha da inovação pedagógica ilumine as nossas aulas. Vivemos numa sociedade da inovação pedagógica.
É louvável que uma sociedade manifeste a preocupação em garantir que a pedagogia das suas escolas seja inovadora. Não tenho dúvidas acerca do bom serviço prestado por qualquer reflexão séria sobre pedagogia que tenha como objetivo o seu enriquecimento com a investigação científica mais recente e com dados socioeconómicos atualizados, desde que essa reflexão seja concretizável em estratégias didáticas viáveis em contexto escolar real (que, convém não esquecer, não é uniforme). Aliás, para que fique claro que, por princípio, vejo a inovação pedagógica como um movimento, mais do que necessário, imprescindível, sublinho que o colégio em que trabalho tem em curso um projeto de inovação pedagógica no qual tenho responsabilidades acrescidas. Todavia, apesar desse seu inquestionável valor, gozando de tanta popularidade, a inovação pedagógica tornou-se política e economicamente apetecível e vê-se agora enredada nos meandros da propaganda e da publicidade. A inovação pedagógica tornou-se uma moda. E, lamentavelmente, assumiu o que de menos bom pode ter uma moda, sobretudo quando falamos de educação: a ilusão da novidade, a superficialidade do transitório e o deslumbramento do vendível.
A inovação pedagógica tornou-se uma moda. E, lamentavelmente, assumiu o que de menos bom pode ter uma moda, sobretudo quando falamos de educação: a ilusão da novidade, a superficialidade do transitório e o deslumbramento do vendível.
Recentemente, chegou às escolas o documento Methodological Framework for Innovative Classroom Trainings[1], enviado pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Trata-se de «um quadro teórico e metodológico sobre a integração das TIC em Ambientes Educativos Inovadores (ou Salas de Aula do Futuro)» da responsabilidade do projeto Designing Future Innovative Learning Spaces, que tem como «objetivos principais estudar práticas implementadas em espaços inovadores de aprendizagem e proporcionar formação a professores […] sobre integração de equipamentos digitais […] em contexto de sala de aulas com vista ao estabelecimento de inovação nas práticas docentes». Portanto, é (mais) um documento sobre inovação pedagógica. É uma reflexão séria sobre pedagogia, sem dúvida útil, mas igualmente um bom exemplo de como a inovação pedagógica pode ser vítima de um discurso facilmente lido de maneira superficial e sensacionalista.
No capítulo 2, sobre “Pedagogia”, pode ler-se que o argumento central do quadro metodológico apresentado «é que pedagogia eficaz e espaços estrategicamente concebidos, em conjunto com a tecnologia, são as três componentes essenciais do ambiente educativo do séc. XXI». A pergunta que imediatamente me ocorre é esta: «a pedagogia eficaz», «os espaços estrategicamente concebidos» e a «tecnologia» não foram essenciais para o ambiente educativo do século XX? Não poderá nascer daqui uma certa ilusão da novidade? O que vou escrever agora causará escândalo em algumas pessoas. Sei do que falo porque assisti a esse escândalo quando uma equipa de inovação pedagógica visitou o Colégio de S. João de Brito e tropeçou – literalmente – no estrado de uma sala de aula, questionando imediatamente esse símbolo da «autoridade do professor» e de «um ensino antiquado». Eu respondi que a autoridade dentro de uma sala de aula pertence efetivamente ao professor, que é responsável por um conjunto de crianças ou adolescentes que se encontram à sua guarda. Se o estrado simboliza essa autoridade, ótimo. Por outro lado, acrescentei que o estrado é necessário para que as crianças sentadas ao fundo da sala vejam o quadro. É um equipamento útil, idealizado por alguém há décadas. Portanto, conceber «espaços estrategicamente» para as escolas não é uma tarefa inovadora.
Claro que aquilo a que os autores se referem é à necessidade de renovar os espaços, mas o discurso proporciona outra leitura que pode servir outras agendas, nomeadamente as de quem tem interesse em substituir quadros de giz que duram décadas por equipamento tecnológico com obsolescência programada. Aquilo a que os autores se referem é à importância de ter salas de aula «modernas», «reconstruídas, por boas razões, para refletirem ambientes centrados no aluno». Compreendo o conceito, mas quando um aluno sobe ao estrado e o professor desce para escutar e avaliar, o ambiente não está centrado no aluno? Além disso, o estrado dá-lhe a autoridade necessária à apresentação do seu trabalho (em inovês, o estrado “empodera-o”). E os colegas podem vê-lo facilmente porque está numa posição elevada. Já escutei especialistas em inovação pedagógica a defender fervorosamente o fim dos estrados nas salas, discursando a partir de um palco e iluminados por um projetor para uma sala de pupilos sentados todos na mesma direção, em silêncio e sem hipótese de contestar os argumentos ou, havendo hipótese, recebendo mastigada em incómodo uma resposta alagada numa acusação de inércia ou de conservadorismo. Pensar espaços educativos não é uma novidade, mas também não é um problema. Só o é quando a reflexão é feita de modo superficial ou conduzida pelas mãos não sempre visíveis de um interesse financeiro. Num breve comentário sobre os espaços educativos, Gregorio Luri aponta com clareza a ilusão da novidade e a superficialidade do transitório que podem impregnar o discurso da inovação pedagógica: «O desenho [do espaço] escolar foi sempre uma arte auxiliar da pedagogia, mas, nos nossos dias, adquiriu um protagonismo cada vez maior, e nem sempre em benefício da higiene postural ou da manutenção da atenção dos alunos»[2].
Pensar espaços educativos não é uma novidade, mas também não é um problema. Só o é quando a reflexão é feita de modo superficial ou conduzida pelas mãos não sempre visíveis de um interesse financeiro.
A ilusão da novidade não se cinge à reflexão sobre o espaço. Muitos aspetos da inovação pedagógica são apresentados como novidade, mas não são «abordagens novas». É o caso da aprendizagem por projetos, que é uma metodologia que deve estar presente nas escolas, mas não em todos os momentos. E o problema da ilusão da novidade e da superficialidade do transitório é esse. Quando se defende apaixonadamente uma determinada metodologia como uma revolucionária panaceia da educação, corre-se o risco de ela vir a ser implementada em circunstâncias e em contextos em que outras metodologias seriam mais indicadas.
Umas linhas abaixo no documento do Instituto da Educação, define-se «pedagogia inovadora […] como uma prática educativa ou abordagem que frequentemente é nova num determinado contexto». Deduzo, por isso, que terá de haver efetivamente uma abordagem «nova» na defesa das «três componentes essenciais do ambiente educativo do séc. XXI». Relendo a frase, a novidade poderá ser a ausência do professor como componente essencial do ensino. É um tópico recorrente da inovação pedagógica: o professor sai de palco e entra o facilitador. Isto é afirmado com a força de uma parangona, mas sem fundamento sólido debaixo da superficialidade de um chavão e, por isso, é escutado de maneira igualmente superficial, como se de uma verdade inquestionável se tratasse. Já escutei professores-especialistas em inovação pedagógica a anunciarem a uma plateia silenciosa de professores-aprendizes de inovação pedagógica o fim dos professores-especialistas. Imbuídos daquela poesia, nenhum de nós pensou na incoerência. Para a inovação pedagógica não há um professor, há um facilitador de aprendizagens, porque o ensino passa a ser a aprendizagem centrada no aluno. Apesar de não ser uma «abordagem nova» (outra ilusão da novidade, que os próprios autores do documento reconhecem), a temática do apagamento do professor associada à aprendizagem centrada no aluno tem sido explorada de uma maneira pouco rigorosa, criando a imagem de que os alunos parecem entrar numa modalidade autodidata, deixando o professor de ser uma autoridade no que concerne ao conhecimento.
A razão para isto acontecer é igualmente apresentada de maneira irrefletida e repetida como se se tratasse de um dogma: o conhecimento está todo na Internet. Na verdade, o que na maior parte das vezes está na Internet é informação, que deve ser transformada, com a ajuda de um professor e do confronto com aprendizagens prévias, em conhecimento, que, por sua vez, deve ser convertido em sabedoria através da reflexão individual do aluno. A acessibilidade da informação no Google não nos permite prescindir do conhecimento. Pelo contrário, o conhecimento é cada vez mais necessário, porque a informação apenas se torna «inteligível quando é filtrada pelo nosso conhecimento prévio e se integra no contexto do que já sabemos»[3]. Esse conhecimento prévio do aluno é fruto de uma presença ativa de um professor e não de um facilitador. A investigação O Impacto do Professor nas Aprendizagens do Aluno[4], publicada pela EDULOG – Fundação Belmiro de Azevedo, aponta num sentido diferente no que diz respeito à importância do professor, restaurando a sua autoridade ao constatar que as «estimativas obtidas para o Valor Acrescentado dos Professores permitem concluir que os professores têm um impacto relevante nos resultados dos alunos». Poder-se-á dizer que os professores com mais impacto são os que assumem mais facilmente o papel de facilitadores. Pode ser que assim seja, mas os autores do estudo What makes great teaching?[5], da Universidade de Durham, concluem que o aspeto da escola que tem mais impacto nos resultados dos alunos, ou seja, o que torna um ensino bom, é o domínio da matéria por parte do professor: «Os professores mais eficazes têm um conhecimento profundo das disciplinas que ensinam». Será que se exige o mesmo a um bom facilitador? De qualquer modo, o que pretendo aqui é mostrar o perigo das leituras superficiais do discurso sobre a inovação pedagógica e, nesse sentido, julgo que é claro que não é apenas o espaço, a tecnologia e a pedagogia que são essenciais para o ambiente educativo. Está na moda dizer que o professor deve entregar o protagonismo ao aluno, que o processo deve estar centrado na aprendizagem e não no ensino e que o professor não é fonte de conhecimento. É o marketing a servir-se da superficialidade.
Na verdade, o que na maior parte das vezes está na Internet é informação, que deve ser transformada, com a ajuda de um professor e do confronto com aprendizagens prévias, em conhecimento, que, por sua vez, deve ser convertido em sabedoria através da reflexão individual do aluno.
A proposta do apagamento do professor é muitas vezes feita por especialistas que nunca pisaram uma sala de aula com 30 adolescentes. Dizem-me que isso acontece igualmente noutras profissões. Certo. Mas não deixo de constatar que os melhores projetos de inovação pedagógica que conheço são conduzidos por professores que estão no terreno, para os quais o professor não é apagável.
Por fim, e voltando à definição da pedagogia inovadora como «uma prática educativa ou abordagem que frequentemente é nova», fico com a ideia de que o movimento da inovação pedagógica encontrou um filão que lhe permite tonar-se a si mesmo continuadamente necessário. Há outra realidade que funciona do mesmo modo: a sociedade consumista. O segredo de um negócio bem-sucedido não é vender produtos que durem anos, mas produtos que criem uma necessidade e que careçam de uma renovação regular. Acontece isso com os dipositivos informáticos, com os automóveis, com os móveis da sala das nossas casas. No mesmo sentido, a inovação pedagógica é um produto concebido de forma deslumbrante para captar um nicho de mercado (ou um nicho de eleitores). Um produto frequentemente novo, como se respeitasse uma lógica de mercado. A sociedade da inovação pedagógica dá origem a uma escola que vai avançando com rodas quadradas, aos solavancos periódicos de inovação pedagógica em inovação pedagógica, sempre em busca da resposta à última moda pedagógica, e, por isso, condenada à insatisfação contínua. Enquanto escrevia este texto, recebi um e-mail anunciando um webinar intitulado “Como se tornar um professor inovador”. É promovido por uma das maiores empresas tecnológicas. De acordo com o que pude apurar, para me tornar um professor inovador, tenho de utilizar os produtos da empresa e depois esperar que a minha escola seja reconhecida como uma escola que «capacita os alunos de hoje para criarem o mundo de amanhã», de acordo com os critérios definidos pela própria empresa que vende os produtos. Isto é interessante porque não só dependo de uma empresa para me tornar inovador como acabo a depender dos critérios da própria empresa para continuar a ser inovador. Será que esses produtos fazem mal ao ensino? Quero acreditar que não. Mas tenho algumas dúvidas de que o deslumbramento do vendível seja bom para a saúde da verdadeira inovação pedagógica. Neste âmbito, pelo menos, os especialistas em inovação pedagógica são coerentes: quando vendem esta ideia a um público de professores encantados, fazem-se acompanhar invariavelmente por uma parafernália de dispositivos, luzes e som que nos «transporta para um filme de ficção científica», como dizia um amigo meu, que não é professor, e que ficou deslumbrado com o «futuro da educação». Pois.
Sendo a inovação pedagógica uma moda, a sociedade da inovação pedagógica terá os dias contados. Pode ser que dela fique apenas a reflexão de excelência que tem sido feita e que caia a da ilusão, a da superficialidade e a do deslumbramento. Pode ser que assim lhe sobrevenha uma sociedade da educação.
[1] http://www.ie.ulisboa.pt/download/output-1-methodological-framework-for-innovative-classrooms-trainings
[2] LURI, Gregorio, La Escuela No Es Un Parque de Atraciones, Barcelona, Ariel, 2020.
[3] LURI, Gregorio, La Escuela No Es Un Parque de Atraciones, Barcelona, Ariel, 2020.
[4] https://www.edulog.pt/publicacao/35
[5] https://www.suttontrust.com/wp-content/uploads/2014/10/What-Makes-Great-Teaching-REPORT.pdf
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.