A maldição dos “tempos interessantes”

As notícias falsas têm a idade da imprensa. Acontece que os nossos tempos são mais interessantes, no sentido da maldição chinesa, devido à existência de media sociais que são ao mesmo tempo terreno adubado e amplificadores da desinformação.

Diz-se que a expressão “que vivas tempos interessantes” provém de uma maldição chinesa que condena a um destino acontecimentos negativos. A ambiguidade que a frase carrega (sendo o interessante sinónimo de turbulento) é perfeitamente adequada ao tempo desafiante em que nos encontramos. Tendo a consciência plena de que a cada tempo correspondem os seus desafios, não deixa de ser profundamente desconcertante que, na era da informação, um dos grandes flagelos culturais da nossa época seja o da desinformação.

Um estudo do ISCTE divulgado há poucos dias concluiu que no mês que antecedeu as eleições legislativas de 6 de outubro, houve “no mínimo, um milhão de pessoas a serem tocadas pela desinformação”. O resultado da investigação parte da monitorização de páginas pessoais e redes sociais, tendo sido identificados “6.500 posts no Facebook com conteúdo de desinformação” ou “fake news” produzidas nas páginas pessoais.

O Washington Post publicou também recentemente resultados preocupantes de um trabalho de factchecking levado a cabo pelo jornal: mais de 10 mil (sim, dez mil) afirmações falsas ou enganosas foram produzidas por Donald Trump desde que é Presidente dos Estados Unidos.

Um estudo do ISCTE divulgado há poucos dias concluiu que no mês que antecedeu as eleições legislativas de 6 de outubro, houve “no mínimo, um milhão de pessoas a serem tocadas pela desinformação”.

Além de informação falsa veiculada por fontes “oficiais”, parecem aumentar os perfis e contas falsos nas redes sociais para criar mal-entendidos e enganos. Veja-se o caso do tweet que não foi escrito por Joacine Katar Moreira sobre a “a bandeira imperialista de Portugal” que seria “alvo de uma proposta de lei para a sua mudança” por ser “necessário deixar o passado para trás, ser radicalmente progressista”. Apareceu com a fotografia e nome da deputada e foi amplamente divulgado. Como sabemos, nunca os desmentidos têm tanta força como as publicações em primeira mão.

A provar o aumento da desinformação em circulação está o crescimento da oferta de verificadores de factos nos órgãos de comunicação social em todo o mundo. Em Portugal, o Polígrafo dedica-se exclusivamente a esta tarefa e durante a campanha para as legislativas teve presença assídua na SIC. Também o Observador disponibiliza um serviço de factchecking, assim como o Expresso. O próprio Facebook tem estabelecido parceiras com fact-checkers independentes de todo mundo numa tentativa de minimizar os efeitos reputacionais (e não só) da desinformação.

Argumentar-se-á – e é verdade – que as notícias falsas são da idade da própria imprensa. Acontece que os nossos tempos são mais interessantes, no sentido da maldição chinesa, muito por causa dos media sociais, terrenos adubados e amplificadores da desinformação.

Por já ir longa a prosa, não me detenho sobre a seleção do que aparece e do que é omitido das notícias. Daria pano para mangas desfiar os critérios de noticiabilidade…

O que fazer, então, perante a realidade desafiante? Em primeiro lugar, aguçar o espírito crítico. Para detetar estranhezas, certamente, mas também para não estar seguro sobre o que parece reforçar as nossas ideias, os nossos pré-conceitos.

Há cinco perguntas que os programas de literacia mediática sugerem para avaliar as mensagens dos meios de comunicação e que podem ser uma ajuda para detetar desinformação: quem criou a mensagem? Que técnicas foram utilizadas para atrair a minha atenção? Como é que outras pessoas podem interpretar a mensagem de forma diferente da minha? Que pontos de vista e valores são incluídos ou omitidos na mensagem? Por que foi esta mensagem enviada?

Dá trabalho? Dá. Mas além do benefício próprio pode também evitar que nos tornemos agentes de desinformação por incautamente partilharmos informação falsa.

 

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.