Qualquer pesquisa – por mais rudimentar que seja – sobre o tema espelha de imediato os benefícios da prática desportiva nas crianças. De acordo com inúmeros estudos realizados, estes são muito significativos e proporcionam, entre outros, maior desenvolvimento cognitivo, diminuição do stress e ansiedade, maior capacidade de concentração, melhoria da autoestima, aumento da disciplina, controlo e respeito e, sobretudo em desportos coletivos, reforço do espírito de equipa.
Não confundamos desporto com atividade física e desporto para crianças e jovens. Centremo-nos nestes últimos – por serem o que nos interessa de momento – e procuremos os resultados que devem ser procurados. Não o resultado de um qualquer jogo, de uma qualquer modalidade, mas de que forma poderá o desporto contribuir para um desenvolvimento e formação integral, pois esta necessita incluir o desenvolvimento físico, intelectual, emocional, afetivo, moral e espiritual. São estes os aspetos que nos tornam membros da comunidade humana.
Se nos deve preocupar a inatividade de crianças e jovens, cada vez mais visível por via das inúmeras solicitações e apelos a que são sujeitos, sabendo que, no nosso país, a prática de qualquer atividade física, regulamentar ou não, está muito aquém das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de uma hora de exercício físico por dia, no mínimo, a importância que devemos atribuir ao desporto Colegial, federado ou não, ultrapassa em muito essa recomendação. Já nas Características da Educação da Companhia de Jesus, está claro: “A educação da pessoa toda implica o desenvolvimento físico em harmonia com outros aspetos do processo educativo. Por esta razão, a educação da Companhia de Jesus inclui um programa desenvolvido de desportos e educação física. Para além de fortalecer o corpo, os programas desportivos ajudam os jovens de ambos os sexos a aceitarem de bom grado os seus êxitos e fracassos, torna-os conscientes da necessidade de cooperarem com os outros, usando as melhores qualidades pessoais para contribuírem para o maior bem do grupo”.
Carlos Neto, já em 2001, referia que vivemos num tempo de grande inatividade física e as crianças e jovens sofrem por isso. É um tempo de analfabetismo motor. As crianças não têm, de facto, uma literacia física e motora adequada, porque o tempo de brincar na rua desapareceu ou está em vias de extinção. Na escola, local educativo por excelência, segundo o mesmo autor, aprende-se com o corpo todo, através do movimento, sentindo, experienciando, observando, na relação com os outros, em qualquer espaço e através de sentimentos, emoções e decisões não completamente lineares. A motricidade, o movimento, a atividade física e o jogo são formas de ação fundamentais nas primeiras idades, porque é aí que tudo começa, isto é, a formação desportiva começa mais cedo do que as pessoas julgam. Não se fazem campeões a partir dos 12, 13, 14 anos. Começa antes, mas é preciso perceber qual é a conceção pedagógica, técnica e científica que se deve trabalhar na formação desportiva nas primeiras idades.
Ora, e ainda que não procuremos formar campeões, a prática desportiva escolar deve, pois, procurar insistentemente o reforço dos valores. É aqui que reside a importância do desenvolvimento integral e o peso que o desporto pode aportar a esse desenvolvimento, nomeadamente na procura do respeito pelas regras e pelo adversário, na importância do fair-play, na procura da verdade e na aceitação do resultado. Praticar um desporto coletivo é melhorar, também, as competências de comunicação, entreajuda e trabalho cooperativo, dentro e fora de campo. Para crianças mais pequenas, é sinónimo de aprender, por exemplo, a partilhar brinquedos no recreio. Para os jovens, ajuda em muitos casos a trabalhar melhor em tarefas de grupo.
A prática desportiva escolar deve procurar insistentemente o reforço dos valores, nomeadamente na procura do respeito pelas regras e pelo adversário, na importância do fair-play, na procura da verdade e na aceitação do resultado.
Ao longo de vários anos de Colégio, reconheço o valor do desporto e o contributo visível que o mesmo proporciona aos nossos alunos, no saber ser e no saber estar, na persistência e disciplina que desenvolvem. Em muitos casos, a entreajuda, o sentido de responsabilidade, a honestidade, a lealdade e a cooperação foram aí trabalhados e desenvolvidos, a par, claro, de tanto bem recebido no Colégio, por via de outras tantas atividades curriculares ou não-curriculares. Evidentemente, nem em todos os alunos praticantes desportivos o fruto é visível. Nuns sê-lo-á mais tarde, noutros talvez nunca. Mas que o ânimo de os ver seguir a sua vida com a amizade consolidada por aqui, ou serem líderes com sentido de respeito pelo outro e por si, alicerçadas em experiências vividas em anos de prática desportiva, nos alegrem e nos orientem.
Há uns anos, numa ocasião fora do Colégio, referia-me um antigo aluno, praticante desportivo todos os anos que por cá andou – e foram muitos – que tinha agora noção daquilo que o desporto lhe proporcionou. Lhes proporcionou – falava no plural – porque tinha certezas de que consolidou amigos por via do desporto, abraça desafios sem receio, respeita quem com ele trabalha, aceita outras visões abertamente. Mas, dizia-me, a amizade, essa, foi toda cimentada ali. “Tenho a certeza de que se um de nós precisar de outro, seja para o que for, cá estamos… afinal não era isso que fazíamos todos os fins de semana, todos os jogos, durante tantos anos?!” Pois era.
Sendo objetivo da educação jesuítica contribuir para o desenvolvimento mais completo possível de todos os talentos dados por Deus a cada pessoa individual como membro da comunidade humana, as atividades extracurriculares, o desporto em particular, não podem ser apenas um complemento ao horário escolar. São uma parte essencial da formação integral. É por isto que ser – e termino – educador / treinador de desporto num Colégio da Companhia de Jesus implica não só preparar e organizar as atividades, mas ter consciência de que acompanhamos crianças e jovens em momentos-chave do seu desenvolvimento pessoal, académico e espiritual. Se estes conseguirem, através do desporto, descobrir talentos, desenvolver habilidades e estar ao serviço do outro, ajudámos, então, a formar campeões!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.