A fé e as festas académicas. Água e azeite?

Aquilo que me pareceu um sacrifício, parar a minha diversão durante um bocado, pode transformar-se num exemplo para a pessoa que ajudei e para as pessoas que viram, para que, inspirando-se, comecem também a fazer o mesmo.

Apesar de a fé estar presente logo nas duas primeiras letras da expressão Festas Académicas, são duas coisas que, por princípio, se pensam antagónicas, parecendo contranatura juntá-las, como a água e o azeite. Mas à medida que o tempo passa, à medida que experienciamos e vivemos mais, descobrimos a beleza que é podermos crescer na fé nestas alturas de diversão, únicas na vida.

Já se passou quase um mês desde a última grande festa académica aqui em Coimbra: a Festa das Latas e Imposição das Insígnias, comummente designada por Latada. Como sempre o fiz, desde o meu primeiro ano, enquanto caloiro, também agora, enquanto finalista, continuei a tradição de frequentar diariamente o recinto da festa (agora confesso que com mais dificuldade, a idade não perdoa!). Assim, garanti que aproveitei todos os minutos, não perdi nada do que se passou e sei que fiz memórias que vão perdurar pela vida. No entanto, desde esse meu primeiro ano, a minha forma de viver esta vida boémia, apesar de à primeira vista não o parecer, mudou bastante. Mas para perceber o que mudou, é preciso fazer um exercício talvez não muito interessante: analisar o dia normal de um universitário num dia de Festa Académica (não me julguem, por favor!).

Durante as Festas Académicas, o dia começa muito tarde para o universitário (mesmo tarde!). Este acorda, come e bebe qualquer coisa. Continua a descansar, ao mesmo tempo que se vai preparando para ir jantar fora com um grupo de amigos ou a um jantar de curso. Após esta refeição, inicia a caminhada desde o restaurante ou da casa onde se realizou o repasto até ao recinto da festa, passando antes por certos “sítios estratégicos”, nomeadamente a Portagem (na zona da baixa de Coimbra), para “reabastecer” antes de chegar ao destino final, onde deambula entre os concertos, a tenda, as barraquinhas, etc, até se cansar ou até ao encerramento da festa. Já bem entrado na madrugada, finalmente, volta a casa para recomeçar tudo de novo no dia seguinte. Este é um dia relativamente normal durante estas épocas de folia.

Aquilo que comecei a notar nos últimos tempos é que nestas alturas eu vivia muito focado, obcecado até, em construir as “minhas” memórias, a tentar aproveitar e a divertir-me até à exaustão, no fundo, para “me” gabar, cheio de orgulho de ter espremido até ao tutano a essência das festas académicas.

Aquilo que comecei a notar nos últimos tempos é que nestas alturas eu vivia muito focado, obcecado até, em construir as “minhas” memórias, a tentar aproveitar e a divertir-me até à exaustão, no fundo, para “me” gabar, cheio de orgulho de ter espremido até ao tutano a essência das festas académicas. No fundo, só pensava em mim e naquilo que estava a viver, até que me apercebi da sorte que tenho e de outros que não têm tanta sorte. Vivemos muito centrados naquilo que é expectável, que é visível e esquecemos que há muito para além das aparências, mesmo (ou sobretudo) nas festas académicas.

Deixem-me fazer aqui um parêntesis. Eu não estou a dizer que não nos devemos divertir! Esta é a altura certa para isso, de sair com amigos, de espairecer a cabeça, de não pensarmos nos nossos problemas (presentes ou futuros)! Mas há uma coisa que nunca pode sair do nosso pensamento e horizonte: o “Outro”. Era aí que eu falhava (e falho, mas agora estou a fazer caminho para não o fazer). Explicito: se por um lado eu até acordei bem (talvez com um bocado de dor de cabeça) e se calhar o meu amigo não, então não me custa mandar uma mensagem ou ligar para me certificar que está tudo bem. Se fui jantar fora com amigos ou a um jantar de curso, se calhar houve pessoas que não foram porque não tinham companhia, então não custa falar com essa pessoa que se senta sozinha nas aulas ou que costuma andar mais sozinha para ver se quer ir connosco e assim já não sermos cinco a “curtir” o concerto e um em casa sozinho, mas sermos seis a “curtir” o concerto. Se pelo caminho até ao recinto eu me ia a divertir muito, se calhar passei por muita gente que se estava a sentir mal, ou que estava a chorar, ou deitada na berma da estrada, bastando parar, perguntar se está tudo bem, se precisam de ajuda e, se realmente for o caso, ajudar, para que essa pessoa não se sinta tão só. Se calhar até me apetecia mesmo muito ir ver o Slow J a atuar, porque sou um grande fã, mas se a prioridade é ajudar alguém em necessidade, em vez de ignorar essa pessoa (porque o problema não é meu) e ir ver o concerto, devo apontar nessa direção.

Isto basta para crescermos, enquanto pessoas, cidadãos e católicos conscientes. E ainda melhor, aquilo que me pareceu um sacrifício, parar a minha diversão durante um bocado, pode transformar-se num exemplo para a pessoa que ajudei e para as pessoas que viram, para que, inspirando-se, comecem também a fazer o mesmo. E quando dermos conta, já não sou só “eu” a aproveitar, a divertir-me e a criar memórias, mas somos “nós” a construirmos memória juntos. Áqueles que estavam a passar mal, com a solidão, com algum desgosto, com algum excesso ou problema de saúde, que não estavam a aproveitar por algum motivo, tu ajudaste a que o intolerável passasse a tolerável, a que a tristeza passasse a esperança. E conheceste pessoas novas, criaste novas relações e passaste a mensagem de Cristo, apesar de nem teres falado explicitamente Nele. A alegria com que estavas a viver a Festa espalhou-se por outros nos quais a alegria estava distante. E assim se move o Espírito Santo, por sítios que nunca imaginamos sequer que passasse, por mais obstáculos que haja. Podemos ser instrumentos e é nestes momentos que podemos fazer uma grande diferença, porque ninguém está à espera. No inicio pode até parecer estranho e causar choque, mas talvez por isso cause ainda mais impacto!

Mas para isto tudo é preciso uma coisa importantíssima que nos falta de quando em vez: atenção. É muito fácil, na confusão da festa, que aquilo que nos parece subtil e não está no nosso foco nos passe ao lado.

Se ajudar, uns dias antes destas festas chegarem, relembra-te disto, prepara-te e vais ver que ainda vai ser melhor! A beleza das coisas, quando vista do prisma da fé, ainda se intensifica mais!

Para concluir, que eu sei que tens mais do que fazer, será que a Fé e as Festas Académicas são como a água e o azeite? Para mim, não. São mais como bacalhau e azeite, separados são muito bons, mas juntos ainda ficam melhor. É sem dúvida uma ótima combinação!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.