As aulas, os exames e as atividades do ano estão a acabar. Começa o verão e chegam as férias grandes.
Férias grandes. Porque, como as palavras sugerem, o tempo substantivo e o tempo imaginado é largo e, naquele primeiro dia, todos os projetos são possíveis: dormir pela manhã adentro durante a semana, reencontrar os amigos dos sítios de férias, jogar jogos de computador, cartas ou tabuleiro, participar em atividades que os pais acham que fazem bem, pôr de lado os cadernos do ano letivo que passou (com alívio) e as canetas que já não pintam as cores viçosas do último setembro (com pena), ver séries em binge, fazer playlists de verão num spotify qualquer, sair à noite, fazer desportos, passeios de bicicleta, rir com amigos pela tarde ou noite fora, ler um livro ou dois ou três, fazer bolos, ir à praia ou ao campo, ficar por casa.
Raramente consta destes planos – feitos pelos pais ou pelos filhos – estar aborrecido e não ter nada para fazer. Fugimos disso, programando, agendando, ocupando.
O horror ao vazio, ao silêncio, a uma certa indolência. O medo de perder alguma coisa (o malogrado FOMO), de não dar utilidade ao tempo, ou talvez de não saber lidar com o que acontece quando nos encontramos a sós.
O horror ao vazio, ao silêncio, a uma certa indolência. O medo de perder alguma coisa (o malogrado FOMO), de não dar utilidade ao tempo, ou talvez de não saber lidar com o que acontece quando nos encontramos a sós.
Bem sei que é um cliché, muito próprio de quem já tem uma certa idade, dizer que há 30 ou 40 anos o tempo passava mais devagar, com mais vazios que não tinham como ser preenchidos. Mas a verdade é que era mesmo assim. Não havia internet e por isso não existia contacto permanente e em tempo real com o mundo todo. Não havia telemóveis ubíquos e por isso era preciso esperar muito para poder falar ou saber dos amigos, dos primos, dos avós. Havia fotografias, mas tínhamos de aguardar dias para as ver, reveladas, temendo o erro, rindo ou lamentando o resultado, já sem margem para o mudar. Não havia centenas de canais de televisão, nem plataformas de streaming e por isso víamos o que havia, às horas que alguém decidia por nós, com gozo ou sem ele. Não havia playlists, e por isso tínhamos que esperar que a música passasse na rádio, para a gravar na cassete, roufenha, mas conquistada ao locutor que teimava em falar por cima dos primeiros acordes.
Muito tempo de esperas.
E ainda o tempo “morto”. Estar sem nada para fazer, não ter nada para nos ocupar. Ficar aborrecidos, fartos, depois irrequietos, depois queixosos, depois entregues. Nessa altura, a cabeça inventava pensamentos, deambulava, partindo daquele momento até às fronteiras da imaginação, expandindo-se para longe do ponto de partida sem se alienar, e o corpo habituava-se a estar, espraiando-se sem posição constante ou definida.
Aprendia-se a parar, aprendia-se a esperar, a ser consciente de si mesmo, a serenar no desconforto para reencontrar o gozo do fim do aborrecimento. Um treino imposto para aprender a adiar a gratificação, não por castigo, mas porque faz parte da vida. E fará, muitas vezes, em muitas circunstâncias, porque há tempo de derrubar e tempo de edificar, mas também, entre os dois, há tempo de esperar.
Aprendia-se a parar, aprendia-se a esperar, a ser consciente de si mesmo, a serenar no desconforto para reencontrar o gozo do fim do aborrecimento.
Aprender a viver esta boa indolência, a não preencher todos os vazios que a vida oferece com a voracidade das possibilidades exteriores e deixar-nos permanecer no tédio, o suficiente para que se converta em encontro corajoso com quem somos e, talvez até, na oportunidade do encontro amoroso com Deus. E depois, só depois, prosseguir.
É uma proposta a considerar nestas férias grandes. Venham elas e esse tempo para tanto e tudo, também para estar aborrecido.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.