O mundo não é só bola. Ou é?

Sejamos francos, a participação portuguesa neste Campeonato do Mundo foi fraquinha, fraquinha, fraquinha…tão fraquinha que até dói!

O dia do batizado do meu neto João Vicente – 26 de maio de 2018 – coincidiu com a data do encontro mais desejado do calendário anual das competições futebolísticas internacionais de clubes – a final da Liga dos Campeões. O momento mágico de inclusão do meu neto na Família Cristã deu-se na belíssima Igreja de São Leonardo na Atouguia da Baleia, próximo de Peniche, enquanto o jogo da final opondo o Real Madrid ao Liverpool aconteceu a mais de 4000 km de distância num outro tipo de santuário dos tempos modernos, o Estádio Olímpico de Kiev na Ucrânia. Há muito que a tecnologia permite esta magia de difundir emoções em tempo real e a cores, aproximando o que está longe para ser contemplado no conforto de um sofá.

Curiosamente, o que aproximou as nossas famílias nesse dia 26 de maio foi tremendamente desigual, ou seja, uma cerimónia religiosa muito emotiva e envolvente, em contraste com um jogo de futebol fraquinho, fraquinho, fraquinho…tão fraquinho que nem deu para nos fazer vibrar quanto saltar do sofá. Valeu apenas pelo fantástico golo de Gareth Bale, um incrível pontapé de bicicleta a imitar o do Cristiano Ronaldo no jogo com a Juventus da segunda mão dos quartos-de-final desta mesma competição. E valeu também por nos recordar o arranque do Campeonato do Mundo de Futebol de 2018 marcado para daí a uns dias na Rússia, um evento ímpar, considerado pelos entendidos como o maior acontecimento desportivo do mundo dedicado a uma só modalidade. Não admira que o final deste dia tão particular fosse passado a identificar conteúdos do nosso imaginário coletivo e a projetar a “Campanha Russa” da nossa Seleção, deixando de lado paixões clubísticas e ignorando o estado doentio em que o futebol nacional se encontra (sobretudo a falta de saúde da alma, a falta de saúde civilizacional que tudo contamina e destrói). E foi ainda uma oportunidade para revisitarmos os lendários atletas e os seus feitos inigualáveis: Eusébio e o Mundial de 66, a incrível fase de grupos no Mundial de 2000 e o empolgante golo de Luís Figo a empurrar a equipa para a vitória, e mais, muito mais. E mesmo sem acesso a uma bola de cristal para prever o futuro, era unânime ser a “equipa de todos nós” uma séria candidata ao título Mundial, não só pela sua condição de Campeã Europeia em título, mas também por ser a Seleção onde milita o melhor jogador do mundo. E ao longo de todo o Campeonato por certo não faltarão oportunidades para a Seleção nos fazer saltar do sofá!

O pedaço de texto acima foi escrito no dia imediato ao do batizado do meu neto. Deixei-o em banho-maria até hoje, o primeiro dia de folga do Campeonato do Mundo, na expectativa de o retomar para celebrar os triunfos da Seleção e exultar de alegria com a magia dos nossos heróis. Tudo em vão! Por esta altura já assistimos à eliminação da Seleção Nacional nos oitavos-de-final do torneio e à exclusão de mais alguns favoritos como as Seleções da Argentina, da Espanha e da Campeã em título, a fortíssima equipa da Alemanha. Claro que com o mal dos outros podemos nós bem. Pior é lidar com esta sensação de perda inesperada e, sobretudo, constatar que as oportunidades para saltar do sofá foram poucas e a campanha da Seleção um verdadeiro fiasco, atendendo às enormes potencialidades dos nossos atletas e às expectativas que rodearam esta participação.

Deste panorama cinzentão sobressaem dois momentos memoráveis: o irrepreensível livre do Ronaldo no jogo com a Espanha e o golo de trivela do Ricardo Quaresma que abriu o marcador no jogo com o Irão. E que mais haverá a acrescentar? Sublinho um aspeto que muito apreciei; direi mesmo que foi o melhor que poderia acontecer depois do desaire competitivo. De facto, em todas as declarações emitidas após a eliminação – pelos jogadores, pelo treinador, por outros responsáveis – não se ouviu uma única vez qualquer imputação de culpas a terceiros como é muito hábito nestes contextos de tensão futebolística (veja-se a título de exemplo as infelizes declarações de Carlos Queirós após o jogo com Portugal). Este comportamento coletivo mostra competência na liderança do grupo e o elevado caráter individual de todos os seus elementos perante um desfecho contrário ao esperado. Por isso, honra lhes seja feita! E neste mesmo plano, junto a minha voz à do Presidente da Republica para dizer que “também estou grato e não esqueço” tudo aquilo que a Seleção tem feito pelo país e pelos portugueses. No entanto sejamos francos, a participação portuguesa neste Campeonato do Mundo foi fraquinha, fraquinha, fraquinha…tão fraquinha que até dói!

Sim, dói e não dói pouco. Apesar do valor individual dos atletas e da conquista de pontos nos jogos realizados, os defeitos da equipa foram evidentes e imensas as dúvidas deixadas nos relvados. Alguns comentadores experientes e muitos jornalistas especializados argumentavam que só uma equipa forte como a nossa conseguiria avançar para as fases seguintes jogando mal. Era bom, era…mas essas previsões não se concretizaram. O que ficou claro foi a tentação da equipa técnica montar a equipa para não perder, para não sofrer golos e depois logo se veria como chegar às vitórias que davam acesso ao patamar seguinte. Certo é que as vitória não acontecem sem golos; e para marcar golos temos que ser capazes de identificar e atacar os pontos fracos do adversário. Nada disso se percebeu nos planos da Seleção. E depois, a ideia peregrina de continuar a apostar no anti-herói para mudar resultados nem sempre resulta. Infelizmente, a história do Éder na final do Europeu não se repetiu agora com a entrada do Manuel Fernandes no jogo de apuramento para os quartos-de-final.

Sinceramente, o ponto mais fraco e mais comprometedor da equipa nacional não teve a ver com um setor particular mas antes com a previsibilidade do jogo que Portugal apresentou como resultado de planos de jogo muito mal elaborados. Uma espécie de alicerce torto que desequilibrou a construção, o crescimento e a solidificação da equipa ao longo da fase de apuramento e que a fragilizou sobretudo na fase final da competição. Por outro lado, já era tempo da comunicação social terminar com os constantes louvores ao Cristiano Ronaldo. Já chega! Ninguém duvida da sua importância, mas estar a reduzir a Seleção a uma pessoa é um sintoma de menoridade. O futuro deve passar pela construção de uma equipa organizada e solidária, uma equipa que, apesar da criatividade de alguns jogadores, seja capaz de correr, trabalhar e lutar e perceba que para vencer tem que cerrar fileiras e “dar o litro”. Para uma obra destas necessitam-se jogadores que confiem uns nos outros e alguém com espírito de liderança capaz de transformar as “feridas em pérolas” como recomenda Paolo Scquizzato (2016) no seu recente “O elogio da imperfeição”.

A dois dias do jogo da final do Mundial de 2018, o país continua em festa e dividido no apoio às equipas ainda em prova; e também em festa porque está prestes a chegar o início do Campeonato Nacional e isso é o que verdadeiramente interessa. O frenesim com a Seleção passa depressa; ou melhor, já passou!

Pela minha parte prometo não voltar a falar de futebol no Ponto SJ e muito menos de futebol nacional. Dizer ainda que não resisto a citar Pedro Mexia e o seu sábio conselho relativamente à forma de melhor seguir o futebol caseiro: ligar a televisão no momento do apito inicial e desligar ao soar do apito final. Gostaria ainda de partilhar com todos a reserva que fiz do melhor sofá lá de casa para nele dar saltos muito abraçado ao meu neto e repetir-lhe ao ouvido que o mundo não é só bola.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.